segunda-feira, 23 de julho de 2012

Francisco Miguel de Moura - Discurso


 SALOMÃO GRANDE” – UM DIA NA SUA VIDA SIMPLES

    Francisco Miguel de Moura*, escritor, membro da Academia Piauiense de Letras

           Grande é o dia e grande é o nome do romance de Jailson Klein, nascido em Santo Antônio de Lisboa (PI) e residente há um bocado de anos na grande cidade São Paulo, onde se formou em Letras e Literatura, já levando consigo outros estudos de quando residiu em Salvador-BA. “Salomão Grande” é grande até no número de personagens porque tem como fulcro uma família de dez irmãos, sendo ele próprio o mais novo, pois o autor lida com todos eles no seu relato. Jailson, terceira geração da linhagem miguelina (referindo-se a meu pai e seu avô, Miguel Borges de Moura), leva consigo as lembranças de menino e adolescente e ali as expõe em ficção. Doravante, Jailson será reconhecido como uma das grandes vozes do romance, neste Brasil, não apenas de sua região, pela força do seguro e singular estilo, letra de quem leu grandes autores como Machado de Assis, Guimarães Rosa e Jorge Amado, por exemplo, e pela grande capacidade narrativa, fecundada por pontos históricos, pois outro grande esteio do romance é a festa da elevação do povoado Rodeador a cidade, saindo de sua submissão a Picos, graças à força de Isaac Batista de Carvalho e Justino Batista de Carvalho – dois vereadores que fizeram assento na Câmara Municipal de Picos, além de outros ilustres moradores do povoado.  A data é importantíssima para o personagem Saló, Salomão Grande, assim como o desejo de morar na cidade, que o pai não aceita nem ao menos comenta.  Falei em Guimarães Rosa, por causa do estilo singular de Grande Serão: Veredas, não que Jailson o imite ou imite qualquer outro escritor. Seu material é virgem e a escrita, o estilo, também.
          “Salomão Grande” é um livro verdadeiro, conquanto seja ficção. Aliás, um romancista inglês moderno, o escritor Ian McEwan, que publicou livros interessantes, verdadeiros best-sellers como “Inocente” e “Serena”, da linha policial e de espionagem, declara que: - “Todos os romances são de espionagem, pois os romances investigam o que deixamos em segredo, o que resguardamos na intimidade. Em qualquer relacionamento há coisas que escondemos, que não dizemos diretamente. Estamos todos envolvidos no controle da informação”. E é verdade, pois só na ficção conseguimos dizer nossas verdades secretas e outras verdades das nossas ações no tempo e do espaço.
            Localizar seu livro de ficção fundo na terra foi um golpe de mestre nesses críticos meia-tigela, que descarregam todo o seu veneno apelidando os escritores dessa região de regionalistas, pois que eles só querem saber do endereço ou dos endereços do autor, e nada do que dizem as suas falas, na maioria das vezes profundas, com uma simplicidade incrível como o faz Jailson Klein. E ser simples não fácil, num país de bacharéis como o nosso. E ser simples é experimentar a sabedoria da linguagem poética, saborosa e viva – encontro da comunidade com o próprio autor. Não lembro bem qual foi o autor, se o grande Leon Tolstói que disse que “se queres ser grande, comece em sua aldeia”, cujo pensamento aqui cito de memória.
          Os aspectos principais da construção de um bom romance são o tempo, os personagens e os acontecimentos (a história, o relato).  O tempo não existe, é uma criação do romancista, no jogo de xadrez de colocação e movimentação dos personagens. De forma que não se admite mais, na modernidade, um romance direto, com começo, meio e fim, sem os distanciamentos estéticos de forma e linguagem, como flash-back e tantas figuras e manobras que alinham e desalinham os tempos históricos e psicológicos. O romance é escrito para leitores vivos e inteligentes. De forma alguma não é um sedativo para dormir.
Por essas e outras razões é que a ficção não exige apenas a compreensão. A ela juntem-se a emoção, o prazer (ou a raiva) e outros sentimentos. Enfim, tudo o que possa ajudar na fruição da obra de arte e na leitura do mundo, pelo leitor – ele também que, a seu modo, se encontrará ali. Depois da leitura de um bom romance não há quem permaneça o mesmo. No romance de Jailson os personagens são muitos como já disse no início: - irmãos, primos, tios, vizinhos, namoradas, meninos de brincadeira, trabalhadores, o pai, a mãe e aqueles meio-personagens que chamarei de “símbolos” da terra, como Isaac Batista, Arlindo Cipriano (que nós conhecemos como Arlindo Supriano), Paschoal Silva, João Cirilo, Quinel, Candinho de Mariano, Pedro Vicente, Manoel Senhor e tantos mais. Eles simbolizam a família, a infância, a adolescência e a amizade (quando não a desavença, o ódio, como a família Medeiros toda). Alguns marcam apenas um tempo histórico, outros um tempo da memória do personagem-autor, o próprio Saló. Não quero nem devo dar nenhuma dica de leitura, porque isto que faço não é uma resenha. É apenas uma impressão de leitura. Outros alcançarão coisas que não alcancei, em vista da variedade de situações narradas em cerca de 300 páginas, bem escritas e bem editadas. Se se contam alguns errinhos é porque em toda publicação acontece. Não há livro perfeito. Como não há nada perfeito. Diz-se que só Deus tem a perfeição.
          Há também teóricos do romance que dizem que escrever um romance não é difícil, a dificuldade maior é terminar.  Tanto é assim que muitos romances célebres ficaram sem término. O caso mais típico é “O Processo”, de Kafka. Aliás, uma forma de terminar o romance é não terminá-lo. Dizem outros que a leitura do último capítulo é dispensável, que até o penúltimo o autor já disse tudo. Eu não caí nessa esparrela, diante da leitura de Jailson, não pude comprovar essa afirmação, pois fui lendo até terminá-lo, com aquela sensação de que algo mais iria acontecer. E aconteceu... Quem quiser comprovar, que faça como eu. Mesmo porque eu tinha que falar, escrever, e de certa forma julgar sua obra, nesta apresentação. Eis que tenho obrigação, na minha trajetória de crítico (pelo que sou conhecido no Brasil inteiro, depois da publicação de “Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de Carvalho”, Rio, 1972), de nunca escrever uma linha sobre obra que não tenha lido inteira, lido e às vezes relido. Meu caráter e minha criação (educação doméstica) me mandam que assim o faça, e isto é o que recomendo para todos os que se metem a apresentar obras literárias ou escrever artigos e resenhas. Em resumo: consciência e ética.
          As ações e os acontecimentos que o autor narra se deram no tempo histórico de um dia, o dia 9 de abril de 1964 – data em que o personagem narrador se torna de maior, completa 18 anos, ganha uma camisa Volta ao Mundo e uma calça de brim Tropical, objetos de seu desejo e sua grande alegria. E naquele mesmo dia o povoado Rodeador se torna Santo Antônio de Lisboa (PI), ganhando autonomia como município. Há referência ligeira a outras datas, 1961, por exemplo.  Mas todas ficam por conta da criação do autor: pensamentos, sonhos, visões em festas, viagens, falas dele e dos outros, pois que também Jailson é um autêntico manejador do diálogo dos seus personagens. Usando aqui o tempo psicológico, de que fala E. M. Forster, ele faz direitinho o leitor entrar para o mundo dos contrastes: infância x adolescência; a morte (real) e a vida; a roça (mato) e a cidade; Jandira x Isabel; a família dos Grandes x a família dos Medeiros. Enfim, é um mergulho nessas questões pungentes, nessa luta constante dos homens, em sociedade, para que as diferenças sejam apenas diferenças e não guerra, para que a paz seja uma constante, o reino dos ricos e dos pobres.
          Para finalizar, digo que eu, que fui um morador de Santo Antônio do Rodeador, num tempo bastante afastado do tempo histórico de Jailson, bem que me lembrei de muitas coisas e, mais ainda, me senti ali vivendo como filho de Mestre Miguel, como empregado de Isaac Batista, como amigo de Manoel Senhor e seus filhos e filhas, de Arlindo Cipriano e sua família, como sofredor de uma paixão como a de Saló por Jandira, que só foi curada pelo tempo. Bem que eu gostaria de ter escrito este romance de Jailson Klein.  
                                                             Teresina-PI, 14/7/2012.


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