terça-feira, 11 de novembro de 2014

O ÚLTIMO A CAIR

           Sei que não sou o único a pensar assim, mas é por que eu, pessoalmente, não encontrei, até agora, nenhuma explicação que justifique a proporcionalidade e a interatividade entre mim, quando criança, e a nossa chapada, mais especificamente com grandes árvores como: a “Oiticica de Batista”, que ficava à margem esquerda do rio, na passagem da igreja; o enorme Pé de Tamarindo (ficava no quintal da casa do meu bisavô, Licínio Pereira); o Pé de Braúna que reinou por muito tempo no Curral Novo; a mais conhecida de todas, a grande Gameleira, apensa à Pedra do Urubu, que se avistava de qualquer lugar da cidade; e o pé de Pau D’arco, como todas as já mencionadas que antes eu achava enormes e, hoje, não as vejo tão grandes assim, levando em consideração que apesar de ter crescido, não foi tanto que justifique tamanha diferença.
          O Pau D’arco, porém, não era, aos nossos olhos curiosos de criança, simplesmente uma árvore, pois ele tinha vida própria, era um ser soberano, e, como eu disse, majestoso, exuberante, secular, que reinava revolucionariamente no meio do caminho que dava para o Barreiro.Trago nas minhas reminiscências impressões profundas sobre “o pé de Pau D’arco” incrustado onde o caminho se abria em forma de um ipsilon, cujo braço esquerdo dava para o Recanto, propriedade de seu Toin Lima e filhos; e pelo braço direito seguia-se para o Barreiro e Santa Helena. Era uma árvore que impunha muito respeito aos que por lá passavam. Acredito que todas as outras árvores lhe rendiam homenagem e até os animais se curvavam perante tamanha nobreza. Era muito comum, naquela época, ouvir-se estórias de visagem, vistas por lá para quem se atrevesse passar sozinho depois da meia noite. Apesar de que muitas visagens, fenômenos inexplicáveis, também costumavam acontecer durante o dia e até, muitas vezes, para quem andava acompanhado.
          Lembro-me, e passo a relatar o caso de duas primas, uma das quais morava no Barreiro e a outra na metade do caminho, cujas identidades não posso revelar, pois não tenho autorização para tal, elas, porém, poderão identificar-se, ao tomar conhecimento desta publicação, se for de suas vontades, confirmando assim os fatos narrados a seguir. Era aproximadamente meio dia quando as meninas se dirigiam a pé à escola, que ficava na cidade a seis km de distância. Tudo corria naturalmente, como de costume, pois era praxe fazerem esse percurso diariamente. Neste dia, porém, ao aproximarem-se do Pau D’arco perceberam um som estranho e, ao avistá-lo, notaram que ao lado do tronco estava um homem, todo de branco, batendo com um objeto não identificado, em uma protuberância, que ainda hoje se vê, abaixo da metade do tronco do Pau D’arco. Tudo normal se o referido homem não medisse mais de três metros de altura. As meninas, coitadas, voltaram em desabalada carreira,  quase sem fôlego, tremendo de medo, relataram aos pais o ocorrido. Seguimos, mais do que imediatamente, para o local, onde, é claro, nada constatamos. E as meninas nunca mais tiveram a coragem de passar por aquele lugar. 
          Outro caso, bastante conhecido, aconteceu com o Tio que vinha da cidade,em seu jumentinho, no sentido cidade Barreiro e, ao aproximar-se do Pau D”arco, bem na bifurcação, no braço esquerdo do caminho avistou um vaqueiro, todo paramentado, tocando uma boiada, era, aproximadamente, cinco e meia da tarde, e para não atrapalhar a passagem dos animais, deu a volta numa moita branca e lá ficou aguardando a boiada passar. Acontece que a boiada nunca chegava debaixo do Pau D’arco, vinha... vinha... e nunca chegava. Mais do que assustado, ele saltou do jumento, e saiu em desabalada carreira e só parou quando chegou ao Barreiro, tão assustado e cansado, que naquele momento não teve condições de relatar o acontecimento, só depois de um certo tempo ficamos sabendo.
          Este aconteceu com um trabalhador de uma desmancha que ocorrera na Santa Helena. A função de forneiro exigia sua permanência por mais tempo no local de trabalho e ele só conseguiu deixá-lo depois das dez horas da noite e isto o obrigou a passar pelo pé de Pau D’arco, justamente, à meia noite. Ele conta que ao se aproximar do braço esquerdo do ípsilon do caminho, ao fazer uma curva que o deixava a apenas cem metros do tronco, avistou um homem todo de branco, com um machado na mão cortando-o bem no pé do tronco. Achou o fato muito estranho, ainda mais porque embaixo do Pau D’arco, onde deveria estar mais escuro, percebia-se uma luminosidade diferente. Mas como ele não tinha nada a ver com aquilo, pois a árvore não era dele, o caminho não era dele, nada ali era de sua propriedade, achou melhor fazer vista grossa e, para não atrapalhar o trabalho do estranho, em uma hora mais do que imprópria, fez um contornou a árvore saindo uns cem metros lá na frente, bem na hora em que o velho Pau D’arco tombava sobre as outras árvores menores, deixando um clarão e fechando o caminho nos dois sentidos. Ao chegar à cidade comentou o que tinha acontecido deixando muitos de nós entristecidos, perplexos e pensativos: quem seria capaz de praticar tamanha barbárie? O pior, ou talvez, o melhor estava por vir. No dia seguinte constatamos que o velho Pau D’arco encontrava-se, de pé, intacto, sem nem um arranhão, até hoje sem nenhuma explicação Plausível. 
          O tempo passou, eu cresci, e nunca mais passei por aquele caminho. E, há mais de trinta anos, eu via aquela árvore. Por motivos que a própria razão desconhece, por que, jamais eu esquecera, pois o velho Pau D’arco era como o meu saudoso Pai nobre, soberano, inesquecível.
          Desta vez, ao visitar o Barreiro, numa noite de muito calor fiquei relembrando meu Pai e tentando declamar umas estrofes de um verso triste de Fagundes Varela:
Eu amo a noite.
Eu amo a noite quando deixa os montes
Bela, mas bela de um horror sublime
E sobre a face dos desertos quedos
Seu régio selo de mistério imprime
Amo os lampejos, verde-azul, funéreos
Que às horas mortas erguem-se da terra,
E enchem de susto o viajante incauto
No cemitério de sombria serra
Eu amo a noite com seu manto escuro 
De tristes goivos coroada a fonte
Amo a neblina, que pairando ondeia 
Sobre o fastígio de elevado monte
Amo nas plantas, que na tumba crescem
De errante brisa o funeral cicio;
porque minh'alma, como a noite, é triste,
Porque meu seio é de ilusões vazio
Amo o silêncio, os areais extensos,
Os vastos brejos e os sertões sem dia
Porque meu seio como a sombra é triste
Porque minh'alma é de ilusões vazia
Amo o furor do vendaval que ruge
Das asas densas sacudindo estrago
Silvos de bala, turbilhões de fumo
Tribos de corvos em sangrento lago
Amo ao silêncio do ervaçal partido
Da ave noturna o funerário pio
Porque minh'alma, como a noite, é triste,
Porque meu seio é de ilusões vazio
Amo a tormenta, o prepassar dos ventos
A voz da morte no fatal parcel;
Porque minh'alma só traduz tristeza,
Porque meu seio se abrevou de fel
Amo o corisco que deixando a nuvem
O cedro parte da montanha, erguido,
Amo do sino, que por morto soa,
O triste dobre n'amplidão perdido
Amo na vida de miséria e lodo,
Das desventuras o maldito selo,
Porque minh'alma se manchou de escárnios,
Porque meu seio se cobriu de gelo
Amo do nauta o doloroso grito
Em frágil prancha sobre mar de horrores
Porque meu seio se tornou de pedra,
Porque minh'alma descorou de dores
Como a criança, do viver nas veigas
Gastei meus dias namorando as flores
Finos espinhos os meus pés rasgaram
Pisei-os ébrio de ilusões e amores
Tenho um deserto de amargura n'alma
Mas nunca a fronte curvarei por terra
Tremo de dores ao tocar nas chagas
Nas vivas chagas que meu peito encerra
A paz, o amor, a quietação, o riso
A meus olhares não têm mais encanto,
Porque minh'alma se despiu de crenças
E do sarcasmo se embuçou no manto
          Na, tristeza destes versos, voltei ao passado e lembrei-me do velho Pau D’arco e logo ao amanhecer do dia seguinte perguntei a Paulo, meu irmão, o que fora feito da velha árvore, quando ele me respondeu: - Está no mesmo lugar. Só não existe mais o caminho para chegar até ela. Exclamei impaciente: hoje mesmo quero vê-la! E, no mesmo dia, ao cair da tarde, estávamos nós, meu irmão e eu, debaixo do velho Pau D’arco. Ao percebê-lo seco, sem folhas, já sem vida, tive a sensação que ele me aguardava por todos esses longos anos, para depois sucumbir. Fui acometido de uma tristeza sem precedentes, uma inquietação estranha, não sabia o que esperar o que fazer. Foi então que resolvi tirar uma foto, para guardar comigo, como última lembrança, pois sabia que não tardaria a cair e, desta vez, para sempre a velha árvore. Como me encontrava em um estado de letargia, não tenho como explicar, tirei apenas uma foto no meu celular e voltei pra casa, pesaroso, pensativo, ainda meio estranho.
          Já em casa, lá pelas sete da noite, já bastante refeito e conformado com o que ocorreu, fui olhar como tinha ficado a foto, que ficara arquivada no meu celular. Não acreditei no que vi! No lado esquerdo do Pau D’arco, via-se claramente, encostada no tronco, a cabeça de um ser humano. Quase que em desespero, mais ainda controlando a ansiedade e o medo, gritei por Paulo, que prontamente me atendeu, mostrando-lhe a foto perguntei o que ele via e ele me disse: – A cabeça de uma pessoa e eu sei quem é. A exclamação foi forte demais para mim, perturbado fiz o que jamais deveria ter feito deletei a foto.
          No dia seguinte, sob o feito dos raios do sol e refeito do que se passara no dia anterior, decidi voltar ao velho Pau D’arco e nas mesmas condições de temperatura, no mesmo horário e pelo mesmo ângulo e outros tantos mais tiramos mais de trinta fotografias, no entanto nada aconteceu. O respeito que me impõe os mistérios da natureza, o místico, o desconhecido, perdi a oportunidade de preservar um material muito importante para a análise de especialistas que pudessem explicar o que foi que eu vi. Outra oportunidade é improvável, pois, o Velho Pau D’arco está morto.
   
Por José Joel Rodrigues dos Santos(ZéJoel). Filho de Francisco Santos, reside em Macapá no Estado do Amapá. Em outra postagem do blog(QUEM LUTA VENCE), fizemos uma pequena biografia do autor. Veja também a postagem com o poema "DUAS VIDAS". Veja postagem (AMOR PROIBIDO). Tem um livro publicado, intitulado "Barreiro: as primeiras águas" e continua escrevendo em verso e prosa. Tem colaborado com o nosso blog com certa regularidade. 




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