(Homenagem
a Listinha, meu irmão de sangue e fé)
Por João Bosco da Silva.
DURANTE anos (cinco, seis,
sete? Sei lá quantos!), as vidas minha e de Lista foram boas até demais.
Desocupados, sempre a correr, a brincar e... a brigar - parecíamos a dupla Cosme
e Damião, de tão juntos que ficávamos. Era caçando passarinho, matando rolinha
de baladeira, atirando de besta em lagartixas, calangos, mocós, camaleões...
Ah, como era bom comer rolinha sapecada
na brasa!
Fosse de estilingue, de arco, de besta e
até em jogar pedra, a pontaria de Lista era melhor que a minha. Impressionante!
No corpo a corpo, nunca venci uma parada, salvo na vez em que lhe tomei o
quicé. E tal só aconteceu, acho, por conta de tê-lo pegado desprevenido. Mesmo
após Jorge o haver colocado muito cedo no trabalho pesado da roça, nossos
encontros, agora mais raros, não deixavam de ser uma festa.
Com o tempo, comer rolinhas sapecadas
perdeu a graça, pois havíamos descoberto a arte culinária de fazer mal-assada:
torta caseira de ovos batidos e fritos no azeite de coco ou na banha de porco.
Cada um de nós "roubava" da despensa de sua casa os necessários ingredientes:
ovos, azeite, sal, goma, um pouco de farinha e até o fósforo para acender o
fogo. Em vista de em minha casa não existir frigideira, cabia a Evangelista
levar a da sua para o "bem-assar" da mal-assada.
Era uma festa, ou mais do que isto: um
lauto banquete! Que o diga da nossa alegria a velha, silenciosa e conivente
gameleira do Riacho de Mané João, sob cuja sombra perpetrávamos nossos
recorrentes "crimes"!
Dando sequência às nossas variadas
"ocupações", certo dia saímos cedo para tirar flecha, material
especial para fazer gaiolas e alçapões pra pegar canário, sofreu e outras aves
de nossa rica e canora fauna passarinheira.
Em vista de nos arredores de casa já o
produto estar escasso, decidimos ir até o riacho temporário de Zé Ferreira,
situado a quase dois quilômetros de distância, já chegando à antiga casa de
Donana. Grotão de altos rochedos, em suas beiradas abundava o material de que
precisávamos. De cada touceira, que de tantas não se contavam, alteavam-se
belas flechas, linheiras e grossas, soltando no alto seus lindos pendões de
rústicas flores amarelas.
- É cada vara de dar gosto! - balbuciei,
extasiado.
ingredientes:
ovos, azeite, sal, goma, um pouco de farinha e até o fósforo para acender o
fogo. Em vista de em minha casa não existir frigideira, cabia a Evangelista
levar a da sua para o "bem-assar" da mal-assada.
Era uma festa, ou mais do que isto: um
lauto banquete! Que o diga da nossa alegria a velha, silenciosa e conivente
gameleira do Riacho de Mané João, sob cuja sombra perpetrávamos nossos
recorrentes "crimes"!
Dando sequência às nossas variadas
"ocupações", certo dia saímos cedo para tirar flecha, material especial
para fazer gaiolas e alçapões pra pegar canário, sofreu e outras aves de nossa
rica e canora fauna passarinheira.
Em vista de nos arredores de casa já o
produto estar escasso, decidimos ir até o riacho temporário de Zé Ferreira,
situado a quase dois quilômetros de distância, já chegando à antiga casa de
Donana. Grotão de altos rochedos, em suas beiradas abundava o material de que
precisávamos. De cada touceira, que de tantas não se contavam, alteavam-se
belas flechas, linheiras e grossas, soltando no alto seus lindos pendões de
rústicas flores amarelas.
- É cada vara de dar gosto! - balbuciei,
extasiado.
- Dá
até pra gente vender gaiolas - sugeriu Lista, de forma pragmática.
Como
eu era mais forte e tinha jeito para o corte, me designei para o trabalho de
poda. Facão na mão, fui abrindo caminho por sobre as bromeliáceas, cortando as
largas folhas de espinhos aduncos até chegar a cada flecha, decepá-la bem no
tronco, jogando-a para o companheiro, que a ia livrando dos nós e pequenas
folhas que se formavam ao longo do caule.
Já tínhamos material em quantidade. Mas,
então, avistamos uma flecha tão grande e linheira, que excedia às demais em
beleza e qualidade. Só que ela estava bem na borda do penhasco, a touceira de
que saía já quase pendendo para o abismo.
- Me arrisco? - indaguei, com certo
receio.
- É perigoso, você não alcança; a flecha
está quase na beira do talhado - alertou meu parceiro, preocupado.
Talvez para tentar sobrepujá-lo pelo
menos em alguma coisa, me propus o desafio, logo entrando em ação, pulando
sobre touceiras e mais touceiras. Em dado momento, quase desisti, visto que já
estava todo espinhado nos braços e pernas. O orgulho, porém, falou mais alto.
Fui em frente e, com dificuldade, alcancei o objetivo. Quando, porém, dei a primeira
cutilada no tronco da famosa flecha, escorreguei em uma pedra e lá me fui
descendo rumo ao abismo, bracejando e lutando para me agarrar em alguma coisa
que evitasse a queda, a angústia e o medo já me dominando. Dez metros abaixo, a
areia branca do riacho parecia me espreitar. Pensando na morte iminente, me
preparei para o tombo inevitável.
Era impossível retornar, mesmo porque
não existia qualquer apoio para os pés ou algo em que me agarrar. Então o
milagre aconteceu: os recurvos espinhos da última grande touceira penetraram em
minhas costas através da camisa, por sorte abotoada em todos os botões. Graças
ao meu pouco peso, fiquei dependurado, flutuando no ar em situação deveras
periclitante.
Bendita presença de espírito de meu
sobrinho-irmão. Rapidamente, estendeu uma vara de flecha, na qual me agarrei
com todas as forças. E ele, buscando arrancar energias de sua apoucada
estrutura física, conseguiu me puxar. Foi uma luta titânica que resultou
vitoriosa.
Hoje, refletindo sobre esse episódio arrepiante,
chego à conclusão de que minha tábua de salvação não foi a vara de flecha,
tampouco a camisa que me segurou; elas serviram apenas de instrumento. Com
certeza, foi a decidida e rápida iniciativa de Evangelista. Devido a sua ação,
não tive uma perna quebrada, um braço fraturado, algumas costelas à mostra, a
cabeça partida...
Possivelmente lhe devo a vida.
Obrigado, irmão!
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