Ensaio: João Bosco da
Silva
A GRÉCIA ERA (e continua sendo) um país montanhoso, retalhado e
pobre, banhado pelo mar ensolarado. Os helenos, depois denominados gregos, instalaram-se
no país em face da invasão dos acaicos (± 1.200 aec) [1] e, em
seguida, pelos dórios depois de 1.200. Por volta de 800, surgem dois grandes poemas
de Homero – a Ilíada e a Odisseia – que narram a guerra dos acaicos, seu poderio
e suas migrações, ocorridas cerca de 300 anos antes. A Grécia do VIII século
aec é um país dividido em pequenos reinos, com uma nobreza de costumes simples,
um povo de cultivadores e artesãos.
Diante
da escassez de solo bom para desenvolver uma agricultura mais rica e
diversificada, a oliveira era quase que a única fonte de renda dessa gente
campesina. Registra Alan Lloyd (2004):
Separados pelo relevo e pelo mar, os habitantes mais
engenhosos começaram a se consolidar em pequenos grupos, cada um dos quais
lutando por sua faixa de terra produtiva, sob um chefe guerreiro local. Dessa
luta intérmina, foi surgindo, ao longo de séculos, comunidades isoladas e
autônomas, cada uma com o seu chefe guerreiro, surgido da necessidade
permanente da defesa do território conquistado.
Por
outro lado, aqueles que se estabeleceram nas pequenas praias e enseadas,
tiveram, por força da necessidade, de se lançarem ao mar, tirando daí o seu
sustento. Mas esses gregos não se confinaram em sua pequena península; ainda no
começo de sua história até o século VI aec, eles fundaram numerosas colônias em
todo o contorno do Mediterrâneo, da costa da Ásia Menor até Marselha, em vista
do que se tornaram hábeis comerciantes e exímios nas artes da navegação.
Em razão
dessa expansão, não se deve confundir a Grécia com o mundo grego, o qual ocupa
espaço geográfico bem mais extenso. Mesmo assim dispersos, não perderam sua
identidade nem suas raízes, pois tinham na religião e na língua dois traços
unificadores que os ajudavam a cimentar e conservar intactas suas características
raciais, [2] tendo
como pontos de encontro os oráculos e os jogos anuais em que se confraternizavam.
Quanto
ao aspecto religioso, os gregos imaginavam seus deuses como homens, porém mais
poderosos e imortais; eles elegeram Zeus como o rei dos deuses. Mas há deuses
do céu, como Apolo; do mar, como Poseidon; da terra, dos infernos etc. Até parece
que havia um deus para cada uma das atividades humanas. Só no Olimpo, uma espécie
de morada dos deuses, havia doze deles, dentre outros: Zeus, Hera, Atena,
Afrodite, Apolo etc. Esses deuses tinham, todos, as virtudes e defeitos dos
humanos: cobiça, inveja, ódio, amor, paixão etc. - exibindo como diferença
apenas um poder bem maior que o do homem: a imortalidade.
Como
intermediários entre os deuses e os homens, encontram-se os semideuses ou
heróis, autores de façanhas fabulosas, sendo Hércules o mais famoso de todos. O
herói grego, também como seus deuses, não era de melhor caráter, portanto capaz
de gestos altruísticos e de baixarias as mais terríveis. Os gregos desse
período arcaico não tinham sacerdotes, chefes religiosos, hierarquia. Por isso,
quando eles não tinham respostas para suas dúvidas, angústias, dilemas e
problemas, apelavam para os seus deuses e heróis, cujas soluções, em geral, se
davam quase que totalmente em nível antropomórfico.
Essa
é a fase inicial mítica. Hesíodo, em sua Teogonia, explica o nascimento de todos esses
deuses, muitos dos quais são, ou contém, partes do universo, de onde surgiu a
explicação mítico-poética da gênese do universo e dos fenômenos cósmicos. Do
caos original muitos se teriam gerado, o que levaria, séculos mais tarde (± por volta do
séc. VI a.C), às primeiras ideias filosóficas que buscaram uma explicação
naturalista do mundo e de seus fenômenos a partir de causas físicas. E foi a
partir daí, isto é, da busca da causa ou causas primeiras da constituição
física do mundo (e dentro deste mundo, o homem), que a filosofia ensaiou os
seus primeiros passos, com aqueles que se convencionou chamar naturalistas ou
pré-socráticos. Eles são muitos, dentre os quais podemos destacar: Tales de
Mileto, Heráclito de Êfeso, Pitágoras (o filósofo dos números), Parmênides,
Demócrito, Empédocles e tantos outros. E sucedendo a esses, a tríade cuja fama
atravessou os séculos para chegar até nós: Sócrates, Platão e Aristóteles.
Na
Grécia, duas cidades elevaram-se ao primeiro plano: Esparta e Atenas. Enquanto
esta era a cidade dos negociantes, industriais e artistas, aquela era a cidade
dos soldados. Assim, politicamente, ambas se diferenciavam: enquanto os
espartanos tinham um governo aristocrático e uma organização toda militar,
Atenas fora-se tornando democrática, com o povo assumindo, sob Sólon, o governo
da cidade. Assim também se constituía o regime político das demais cidades
gregas: democracia ou aristocracia.
Após
a última invasão dos dórios, houve um relativo período de paz, que veio a ser
quebrado por volta do V século aec, quando os persas, já senhores da Grécia
asiática, resolveram atacar a Grécia européia. Nessa guerra, apesar da
supremacia persa em termos de exércitos, os gregos saíram vencedores em terra e
depois no mar, tendo como conseqüência a libertação total de todo o mundo grego.
O principal mérito dessas vitórias coube aos atenienses, não obstante serem os
espartanos uma sociedade de guerreiros.
Após
essa vitória dos gregos sobre os bárbaros (era considerado bárbaro todo aquele
que não fosse grego), houve um surto de desenvolvimento artístico
extraordinário, sobretudo em Atenas, então sob a administração de Péricles. Foi
a época em que se construíram os grandes e belíssimos templos, a escultura
adquiriu enorme significação, a literatura explodiu em todos os gêneros: o
drama, a tragédia, a oratória, a história... Isso sem falar na filosofia, que
desde o VII século já vinha revolucionando o pensamento grego com respeito às
indagações da origem das coisas, do ser e de suas qualidades.
Esse
destaque fez com que Atenas se tornasse uma espécie de império em torno do qual
se agruparam muitas cidades gregas da Ásia e do Arquipélago, fato que terminou
gerando revoltas e invejas, notadamente de Esparta, o que culminou por levá-las
a guerrearem entre si. Assim, de 431
a 362 aec, a Grécia é despedaçada por lutas intestinas
entre as cidades. A guerra do Peloponeso, em que se empenharam Esparta e
Atenas, culminou com a queda desta última em 404. Mas a supremacia de Esparta
não vai muito longe, pois termina vencida por Tebas. Também nesse interregno,
as demais cidades gregas se enfraqueceram pela discórdia entre ricos e pobres.
Sobre este aspecto, vejamos a tese levantada por Alan Lloyd:
Por uma estranha lei da vida, apoiada pela História,
os empobrecidos e os afluentes são igualmente conservadores. Os abastados não
veem necessidade de mudança; os pobres também a temem, pois em sua existência a
fome é a única alternativa em sua vida frugal. O radicalismo, o desejo de
mudança para melhor, surge daqueles que estão em transição, os que se elevaram acima
da paralisia da pobreza, sem terem ainda, contudo, adquirido a indiferença da
prosperidade. Eles não estão cegos nem à injustiça nem ao potencial, e desejam
alterar as coisas. Eis aí porque, por mais paradoxal que pareça, os oprimidos
não costumam se revoltar durante as fases de mais desesperada privação, e sim
nos estágios incipientes das reformas, justamente quando começa a haver mudança
para melhor.
Assim, o povo da Grécia, tendo
tolerado por gerações o domínio dos aristocratas, tornou-se irrequieto quando
lhe foi oferecido o vislumbre de uma vida diferente, pelo surgimento de uma
classe média. [3]
Um
pouco diferente, porque tem em vista mais o materialismo histórico, que tem em
Marx, Engels e Hegel os expoentes máximos, é o ponto de vista esposado por
Kautsky sobre a decadência da soberania do estado grego:
A história da Grécia é a de uma guerra eterna entre
as várias cidades e as cidades-estados, raramente interrompida para a defesa
comum contra um inimigo único. Essas guerras aceleraram enormemente a decadência
grega, assim que se fizeram sentir as consequências da economia escravista.
Esse
mesmo ponto de vista ele expressa com relação a Roma, a cujo enfraquecimento
político precede o fracasso da economia, antes baseada na mão de obra escrava,
ao afirmar que: Esse (mesmo) destino
estava reservado a uma cidade italiana, Roma, que submeteu a seu domínio toda a
civilização mediterrânea.
O fato
histórico preponderante é que a Grécia, em face de suas querelas internas, que
trouxeram consequências desastrosas para sua economia, terminou por cair sob a
tutela dos macedônios, no ano de 338 aec, não obstante seu desaparecimento
total como Estado politicamente independente só vir a acontecer no ano 30 antes
de Cristo.
BIBLIOGRAFIA
KAUTSKY, Karl. A ORIGEM DO CRISTIANISMO. Rio de Janeiro-RJ:
Civilização Brasileira, 2010.
[1] Utilizaremos ora aec: antes da era
com; e dec: depois da era comum, ora a.C e d.C: antes e depois de Cristo. (N.
do A)
[2] O termo “raça” está empregado,
aqui, no sentido de etnia, desvestido de qualquer conotação racista, conforme
se pretendeu atribuir em passado recente: raça ariana, raça superior etc.
Embora, não há negar, os gregos ou helenos daqueles tempos, bem como os
romanos, classificassem como “Bárbaros”,
todos os povos de seu entorno que não tivessem origem helênica ou romana. Isso,
de certa forma, se configurava racismo. (N. do A.)
[3] Não nos cabe, neste curto ensaio,
concordar com a tese acima citada. Quem sabe, na Grécia de então, a situação se
tenha mostrado propícia a uma sublevação. Ultimamente, entretanto, o que se tem
visto não é um levante da classe média, pelo menos nos países do mundo árabe.
Vejam-se os casos da Tunísia, do Egito, da Líbia e, um pouco antes, da própria
Grécia. O que os jornais televisivos apregoam é que tais movimentos têm origem
nas populações mais pobres e espezinhadas por eternizados reis e ditadores. (N.
do A.)
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