Por Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
O
desrespeito do cidadão Luiz Inácio da Silva pelo Congresso ficou conhecido
quando qualificou a Casa como reduto de "300 picaretas". Faz quase 20
anos.
Sua
indiferença pelo Legislativo já ficara patente na atuação displicente e
inexpressiva passagem como deputado constituinte.
Quando
Lula ganhou a eleição para presidente, logo ficou claro que além do desdém
havia o intento de investir na desqualificação do Parlamento. Fazê-lo servil,
enquadrá-lo de vez ao molde da presumida vigarice.
Não é
conjectura, é fato: foi a partir de 2003 que o chamado baixo clero passou a
assumir posição de destaque, a dominar os postos importantes, a assumir
posições estratégicas.
Era
uma massa até então quase incógnita, em sua maioria bastante maleável às
investidas do Executivo e disposta a fazer do mandato um negócio lucrativo.
Note-se
que na época o encarregado de fazer a "ponte" entre o Parlamento e o
Planalto era ninguém menos que Waldomiro Diniz, o braço direito de José Dirceu
na Casa Civil, cujos métodos ficariam conhecidos quando apareceu um vídeo onde
extorquia o bicheiro Carlos Cachoeira.
A
maneira como seria tratado o Congresso era perceptível no tom das lideranças
petistas recentemente investidas no poder, quando a conversa era a formação da
base governista.
Não
se falava em compra financeira de
apoio tal como se viu depois quando Roberto Jefferson rompeu a lei da Omertà e
denunciou o mensalão, mas se dizia abertamente que a cooptação seria fácil
agora que estavam na posse do aparelho de Estado.
Uma
das consequências dessa inflexão ladeira abaixo foi o isolamento gradativo e
por vezes voluntário, de deputados e senadores de boa biografia, com nome a
zelar e atuação legislativa relevante.
Ao
longo dos dois mandatos de Lula o Parlamento "caiu" na mesma
proporção em que a figura do presidente se sobressaiu, em franca evidência de
desequilíbrio entre Poderes.
Com o patrocínio da CPI que se encerra em
grau inédito de desmoralização, cujo sentido vexativo não será eliminado com um
remendo no relatório final, o ex-presidente conseguiu completar sua obra e
cumprir o vaticínio sobre os "300 picaretas".
Não
que não existam. Existem e pela degeneração do desempenho é possível que seja
esse o número aproximado. Mas o Congresso não é só isso e disso dá notícia
outra época em que ali a regra era a atividade política. As transações
condenáveis se não chegavam a ser exceção, ao menos ficavam relegadas a um
segundo plano.
Embora quem não acompanhe de perto o Parlamento seja
cético quanto a isso, as coisas por lá já foram muito diferentes. E se foram
melhores podem voltar a ser.
Cabe
ao Poder Legislativo compreender a gravidade da derrocada nesse poço que parece
não ter fundo, reunir as parcas forças ali ainda existentes e de alguma maneira
reagir para o bem da saúde democrática.
Supremacia. Consistente, firme, autônomo,
convicto de seus valores. Assim pareceu o novo presidente do Supremo Tribunal
Federal, Joaquim Barbosa, em seu discurso sem enfeites.
Defendeu uma Justiça que não tarde, não falhe e
preserve a independência do juiz. Assim como ele.
Celebrá-lo pelo quesito cor da pele é
olhar só a parte de fora de uma obra sólida.
Desfeita. Se com o semblante fechado a
presidente Dilma Rousseff quis demonstrar contrariedade em relação ao ministro
Joaquim Barbosa, conseguiu destacar-se pela deselegância em momento de
homenagem.
Queira
o bom senso que a presidente não tenha escolhido a fisionomia zangada pelo
mesmo critério que o deputado Odair Cunha escolheu os indiciados no relatório
da CPI: para dar uma satisfação a Lula.
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