quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Tempo de radicais

          O diálogo político se tornou impossível. Ninguém mais busca o meio termo. E parte da culpa é da internet. 
          O incômodo é visível. Em sua coluna na Folha de S. Paulo, o veterano jornalista Luiz Caversan anunciou que pretendia tirar férias de Facebook. O radicalismo das pessoas na rede está intolerável. Em um artigo recente, Frei Betto foi outro a se queixar dos radicais à esquerda e à direita. Cá no GLOBO, ontem, Ricardo Noblat desdenhou do país onde, on-line, “se torce apenas pelo cordão vermelho ou pelo cordão azul”. Míriam Leitão foi uma das primeiras, uns domingos atrás. Os radicais, em sua opinião, pioram a qualidade do debate. A polarização política é um fenômeno muito mais nocivo do que parece. Não é um fenômeno apenas brasileiro. E, não à toa, coincide com a popularização da internet. A tendência, aliás, é de que piore.

         Em Israel, a esquerda foi sufocada e o governo de direita se radicalizou como nunca na história do país. Na Espanha, da virada do século para cá, o espaço de diálogo entre eleitores do socialista PSOE e do PP praticamente se extinguiu. Idem nos EUA, onde republicanos e democratas não se entendem desde o dolorido embate eleitoral que culminou com a questionável eleição de George W. Bush, em 2000. Este período, entre finais dos anos 1990 e o início da década seguinte é marcado pelo surgimento dos blogs e, com eles, as caixas de comentários. A partir daí, o crescimento das redes sociais. Não há coincidência.

          Polarização não ocorre apenas quando o centro desaparece. A coisa é mais complexa. É natural que todos tenhamos paixões por certos temas. Pode ser o casamento gay para um, educação para outro, política econômica na cabeça do terceiro. Duas ou três questões costumam nos ser caras. Para as outras, na maioria das vezes somos ambivalentes, no máximo simpáticos a uma opção.

          Quando o ambiente se polariza, porém, as pessoas se alinham a um ou outro grupo ideológico. Sentem-se na obrigação de defender até aquilo que não lhes é caro. O resultado é que as possibilidades de diálogo desaparecem. Afinal, quando tudo é muito importante, ninguém cede. Acordos tornam-se inviáveis.

          Jogue “polarização política” no Google, porém, e poucos artigos científicos aparecerão. O tema mais definidor da política brasileira no momento é pouco estudado. Talvez porque, polarizadas, as pessoas que se interessam por política andam mais preocupadas em derrotar o outro lado do que dar um passo atrás e perceber que há algo de errado.

          Nos EUA, onde o número de cientistas é inacreditável e tudo se estuda, já há pistas fartas. A primeira é que, para a maioria das pessoas, nada mudou. A população continua onde sempre esteve, não se radicalizou. Quem se radicalizou foi o pequeno grupo de eleitores que mais acompanha política. Como é para este grupo que políticos costuram seus discursos, também eles tornam-se mais radicais. Um estudo do professor Markus Prior, da Universidade de Princeton, avaliou se houve mudança na imprensa nas últimas décadas. Não a descobriu na imprensa tradicional: a cobertura dos fatos, nos EUA, se dá por um ponto de vista de centro. Nas páginas editoriais há uma tendência ligeira à esquerda, mas pouca. Não é assim, lá, para a imprensa que surgiu mais recentemente: canais a cabo de notícias, por exemplo, além de sites e blogs. Aí é tudo extremo, à direita ou à esquerda.

          A internet cria o que o ativista Eli Pariser, autor do livro The Filter Bubble, chama de bolha. Lá, as pessoas procuram apenas aqueles sites onde lerão o que reitera suas crenças. Quando comentam em comunidades nas quais todos concordam, só há uma maneira de se destacar. Ou seja, sendo mais puro ideologicamente.

          Na opinião de Pariser, aquela que já é uma tendência humana é amplificada pela maneira como a internet contemporânea funciona. Facebook e Google aprendem com aquilo que curtimos, clicamos, lemos, comentamos. Como querem nos ajudar a encontrar o que nos interessa, mostram mais do mesmo. E mais do mesmo é a reiteração da bolha. Lemos tanta gente com quem concordamos que o diálogo com os outros vai ficando mais difícil.

          É uma febre. Depende de cada um escolher alimentá-la ou buscar o diálogo com quem discorda.

Pedro Doria, escreve em O Globo, às terças-feiras.

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sábado, 16 de novembro de 2013

Símbolos

Por Merval Pereira, O Globo

          No decorrer do processo, petistas tentaram impedir que a mídia se referisse ao caso como “mensalão”, mas o máximo que conseguiram foi que o noticiário oficial, tanto do governo quanto do Supremo Tribunal Federal, passasse a se referir ao caso como a Ação Penal 470.

          Agora, ao serem expedidas as primeiras ordens de prisão, atribui-se ao ministro Joaquim Barbosa a intenção de marcar a comemoração da Proclamação da República com as prisões de José Dirceu e companhia. Seria nada além de uma jogada de marketing de Barbosa, já se preparando, quem sabe, para uma futura carreira política.

          Mesmo que a intenção tenha sido a de marcar a “refundação” da República brasileira, nada a criticar no presidente do Supremo Tribunal Federal, pois nenhum trâmite legal foi atropelado para que a coincidência se desse.

          O criticável será se, nos próximos meses, o relator do mensalão sair do Supremo para se candidatar, pois, como todos os magistrados, ele tem um prazo mais largo para se filiar a um partido político.

          Será inevitável que todos os seus passos como relator do mensalão, e mesmo suas indignações cívicas, sejam confundidos com ações políticas, o que nublaria suas decisões. Mais simbolismos a serem decifrados.

          Quando Barbosa apareceu com nada de novo sobre o mensalão na quinta-feira, houve uma espécie de decepção, e logo críticas foram feitas a ele, que prometera divulgar a lista dos presos naquela sessão.

          Houve até quem desconfiasse de que alguma coisa acontecia nos bastidores, mas o que realmente aconteceu é que Joaquim Barbosa trabalhou até de madrugada, e ontem, no feriado, para poder expedir as ordens de prisão sem cometer erros técnicos que as invalidassem.

          Não ter expedido as ordens de prisão imediatamente após a sessão de quarta-feira foi, aliás, uma demonstração de que Barbosa e o STF que preside não estavam ávidos por uma vingança.

          A própria presidente Dilma veio em socorro indireto a Barbosa na mensagem que enviou pelo Twitter para saudar a Proclamação da República. Ela afirmou que a origem da palavra República “nos ensina muito”, vem do latim e significa ‘coisa pública’.

          Sendo assim, ser a presidente da República significa “zelar e proteger a ‘coisa pública’, cuidar do bem comum, prevenir e combater a corrupção”.

          Nada mais adequado, portanto, para comemorar a República do que colocar na cadeia os condenados por tentar desmoralizar suas instituições, superdimensionando o poder do Executivo pela submissão do Legislativo através da compra de apoio político.

          Nesta nossa República democrática, surge agora a figura dos “presos políticos”, sejam os componentes dos Black Blocs, sejam os mensaleiros que assim querem ser identificados.

          Assim como não existe caixa dois com dinheiro público, como definiu o STF, não há presos políticos em uma democracia.

          José Genoino provavelmente não reconhece a existência de presos políticos em Cuba, ou não manteria seu apoio ao regime ditatorial cubano. Mas se considera um “preso político” na democracia dirigida por seu partido há 11 anos.

          Além de insistir na teoria da conspiração de que houve uma “operação midiática inédita na História do Brasil” para condená-lo, Genoino acusou ontem o julgamento do Supremo de ter sido “marcado por injustiças e desrespeito às regras do Estado democrático de Direito”.

          Esse processo “de exceção” teria ocorrido num Supremo Tribunal Federal (STF) de um regime democrático, cuja maioria dos ministros foi nomeada pelo ex-presidente Lula e pela presidente Dilma, ambos do PT, partido que José Genoino presidia quando o mensalão aconteceu. Durma-se com um barulho desses.

 
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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Bancada do Cárcere


Por Dora Kramer

          Encerrada a fase de exame da segunda leva dos embargos de declaração apresentados pelos réus do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional está prestes a tornar-se refém de uma sinuca construída com as próprias mãos, sustentada na ausência de bom senso e alimentada por uma visão deformada de preservação da autonomia do Poder. 

          Não bastasse ter mantido a condição parlamentar de Natan Donadon, atualmente residente no presídio da Papuda, Câmara e Senado podem ganhar em breve a companhia de mais dois detentos: os deputados Pedro Henry e Valdemar Costa Neto, integrantes do grupo dos condenados sem direito a recursos passíveis de modificação das sentenças.


          Deixemos por ora de lado o caso do deputado e ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas com chance de ser absolvido neste último crime por força de embargo infringente.


          Sobre isso a Corte vai se debruçar no primeiro semestre do próximo ano, não para anular punições, mas para estabelecer novo regime de cumprimento da pena de um, de outro, de nenhum ou de todos que tenham esse direito. Falemos apenas dos dois deputados em via de receber o veredito final depois de publicado o acórdão relativo a essa etapa.



          E por que, então, a referência também ao Senado? Porque o assunto ficará em suspenso e durante algum tempo o Parlamento terá triplicado a sua população carcerária devido à recusa das duas Casas a fazer a sua parte a tempo e à hora.


          Postergou o quanto pôde a votação da chamada PEC dos mensaleiros que prevê a perda imediata de mandatos em casos de condenações criminais, de autoria do senador Jarbas Vasconcelos. Quando finalmente foi aprovada no Senado em decorrência da vergonhosa manutenção do mandato de Donadon, ficou parada na Câmara e assim está há dois meses.


          O Legislativo também protela a mais não poder a votação da emenda constitucional que muda de secreta para aberta a manifestação dos parlamentares. Há duas propostas: uma na Câmara, outra no Senado, ambas emperradas na resistência de suas excelências a enfrentar o dilema de abrir o sigilo para todo o tipo de votação ou só para os casos de cassações.


          Ao mesmo tempo, a Mesa da Câmara entende que o STF não tem a palavra final e o presidente da Casa, Henrique Alves, disse que não levará cassações ao plenário enquanto não for resolvida a questão do voto secreto.

          Ou seja, nada anda nessa embolada. Ou pelo menos não anda no ritmo correspondente a um problema que só admite um resultado - o afastamento de condenados - e, portanto, já poderia e deveria ter sido solucionado livrando o Congresso de mais essa afronta ao princípio do decoro parlamentar.


          Milonga. A Lei de Mídia posta em vigor recentemente na Argentina com o objetivo de destruir o Grupo Clarín por sua oposição ao governo de Cristina Kirchner foi criada sob o argumento de que seria necessário impedir monopólios nos meios de comunicação e democratizar a informação.


          Reeleito presidente do PT, Rui Falcão anunciou que o partido trabalhará "por uma mídia mais democrática", baseada num modelo que tenha "mais agentes emissores e que coíba a ação dos monopólios e oligopólios".


          Inspiração e argumentação absolutamente iguais. Falcão tenta marcar diferença dizendo que o PT vai propor regulamento constitucional para banir "qualquer tipo de censura".


          Não precisa. Isso já está muito claro no inciso 9 do artigo 5º: "É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".
 



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sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Lição aprendida


          Encontro muitos jovens que expressam um forte desejo de mudança na política, na economia, na sociedade. Acolho a todos, como mantenedora de utopias (título que pretensiosamente me dei), mas sempre esclareço: mudanças não nascem de repente, o novo não brota do nada. A biologia ensina que todo organismo se firma preservando alguma estrutura anterior.

          Aprendi essa lição ao longo da vida e um de meus professores foi o ex-presidente Lula, que decerto não esqueceu os emocionantes dias de sua campanha nas eleições de 2002. Na turbulência causada pela iminência de sua vitória, lançou a "Carta aos Brasileiros", expressando o compromisso de manter as conquistas do Plano Real e as bases da estabilidade econômica herdadas de seu antecessor, Fernando Henrique. Deu uma lição de grandeza política que procurei aprender, não apenas "decorar".

          Lula manteve na equipe econômica pessoas como Joaquim Levy e Marcos Lisboa, nomeou o tucano Henrique Meirelles para o Banco Central -- a quem deu status de ministro--, manteve contato com economistas que seu partido acusava de "neoliberais" e fez de Delfim Netto uma espécie de conselheiro.

          A conservação da estabilidade econômica propiciou avanços nos programas sociais. Um documento intitulado "A Agenda Perdida", elaborado por um grupo suprapartidário de economistas e pesquisadores, forneceu subsídios para muitas ações do governo de Lula, que também buscou referências nos planos anteriores de combate à miséria, incluindo as experiências da prefeitura de Campinas, do governo de Cristovam Buarque no DF e as propostas da comissão de combate à pobreza, que propus no Senado para aperfeiçoar o fundo de combate à pobreza antes proposto por ACM.

          Lula e FHC tiveram sabedoria de aproveitar as bases já assentadas nos períodos anteriores para avançar. Sendo coerentes com essa lição, além de dar crédito a esses líderes, que deixaram suas marcas, devemos dar um passo adiante: desfulanizar as conquistas que o Brasil obteve com eles. A estabilidade econômica e a inclusão social não são de autoria exclusiva de Lula e FHC. Foram e continuam sendo exigências da sociedade, mostras da evolução do povo brasileiro após conquistar a democracia --outra conquista da qual ninguém pode arrogar-se dono ou autor.

          Por isso, digo aos mais jovens: conheçam a história, para evitar que seja reescrita. Honrem as realizações das gerações anteriores. Mas não sejam meros "continuadores", pois a democracia, a economia e os direitos sociais devem ser aperfeiçoados e inseridos num novo modo de desenvolvimento, sustentável, adequado aos tempos presentes e futuros.

          O passado ensina. O futuro inspira.



Marina Silva, ex-senadora e ex-ministra do meio ambiente do governo Lula. Publicada no jornal A Folha de São Paulo.

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