sábado, 19 de novembro de 2022

GRAMÁTICA SEM REGRAS

                                         Francisco Miguel de Moura*


          Da maneira como o Brasil e o mundo estão indo, a melhor forma de ser entendido é falar por crônicas como Jesus falou por parábolas, no seu tempo. Falar, para um obstinado escritor, é escrever. Escrever crônicas, no meu caso, visto que a crônica é uma recriação do cotidiano, seja com humor, lirismo, dramaticidade ou dissertando sobre os acidentes e incidentes do quotidiano.

          Aproveito a introdução para referir-me a uma viagem que fizemos a Valença do Piauí, eu e mais escritores, convidados pelo Prof. Romero Lima, em cuja ocasião tomei conhecimento da “Gramática sem regras”. Nilson Ferreira, professor e companheiro naquela viagem, carregava consigo um alentado volume, capa preta, gravado com nome e tudo mais, e foi me comunicando e mostrando:

          - “Você já conhece a gramática sem regras”? 

          Tomei o volume nas mãos e abri-o, não encontrando nenhuma frase nem letra sequer.

-         “É livro para fazer sucesso no meio da legião de preguiçosos - aqueles que acham que ser “cdf” é um defeito, um estigma” – eu contrapus.

          E nós dois rimos “gozadamente”. “Ridendo castigat mors”, já diziam os romanos.

          O fato não me teria cutucado a consciência e feito nascer brotoejas na alma, se não trouxesse à baila certos acontecimentos e polêmicas com relação ao uso da nossa língua (nossa e de Rui Barbosa, por que não?), tais como o da edição do livro de uma professora (não vale a pena citar o nome dos dois, a imprensa noticiou em tempo) - e sua distribuição pelo Ministério da Educação a todas as escolas oficiais (1º e 2º graus). O tal livro tenta impingir, na juventude brasileira, expressões totalmente erradas como “nós vai”, “nós pesca o peixe”, “a gente vamos”, derribando a regra central da gramática: – a concordância do predicado com o sujeito. A regra é esta, imutável, salvo em alguns pouquíssimos casos consagrados pela prática de centenas de anos e baseados em excelentes escritores.

          A ética da língua é respeitar a gramática, seu código, sua lei. Se o brasileiro já não é dado a regras e se os responsáveis pela educação – as chamadas autoridades - estimulam a tendência, e não só isto, mas taxam de “fascistas” aqueles que zelam pelas boas regras – meu Deus, estamos perdidos.

          Pois é. Metaforicamente os políticos usam “a gramática da política”, ou seja, a legislação sem ética. Não são mais do que isto os chamados “mensalões” e agora os “mensalinhos”, quando os parlamentos (senado, câmaras e assembleias estaduais) compram e vendem seus votos para a aprovação dos projetos de seu interesse – tal como já fizeram com o eleitor, na eleição para seu cargo. A moda pega, pegou e continua pegando: Ninguém obedece nem a sinal de trânsito. Como, então, iria respeitar a propriedade alheia? A falta de ética é levada da política à administração pública, ao exercício da cidadania, e daí às linguagens: - esfarrapando a gramática, a boa dicção, o decoro na fala e na escrita como já esfarraparam (bateram, brigaram, ficaram feridos, morreram) a linguagem do trânsito, suas leis, sua gramática.

          Lembrando aquela viagem, constatamos que o Prof. Nilson Ferreira fez humor do que já vinha acontecendo, não somente na escola, mas na sociedade inteira, de tal forma que da “ética sem regras” chegamos à “sua gramática sem regras”.


_____*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro, mora em Teresina, a bela Capital do Piauí. Esta crônica, há algum tempo foi publicado no jornal, lembro se o Dia, O Estado ou o Meio Norte. Por considera-la muito atual, republico-a aqui.


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