segunda-feira, 17 de março de 2014

SOBRE COMO ESCREVI O HINO



          Em certo dia do mês de março de 1985, Carleusa, então prefeita de nossa cidade, chegou à casa do Prof. Mariano com o propósito de convidá-lo a escrever um livro sobre o Município de Francisco Santos, como parte das comemorações dos 25 anos de nossa emancipação política, festa que se daria a 24 de dezembro daquele ano. Como estivesse eu presente, a senhora prefeita, talvez por ter ouvido falar que eu era um arranhador da poesia, e, quem sabe, até de brincadeira, igualmente estendeu a mim o convite para compor o hino da cidade. Digo "de brincadeira" porque sei que havia na época, como existem hoje, pessoas muito mais gabaritadas do que eu para feito de tal envergadura. Acontece que, para desapontamento dela, topei o desafio. E "desconvidar" ficava feio.

   Não me foi difícil estabelecer os aspectos a serem levantados, posto que em composição tão específica eles, em geral, obedecem a um padrão. Assim, busquei destacar nossas origens, o caráter de nosso povo, sua versatilidade na arte da sobrevivência, sua religiosidade, além das potencialidades e belezas do lugar.

  Muito bem! Até aí nada mais fácil. Mas, conforme já frisei, não sou poeta, sou, quando muito, um versejador prosaico. Assim, quando busquei transformar em poesia aqueles aspectos elencados, faltaram-me traquejo e concatenação, resultando daí o verso desarrumado, a estrofe frouxa e sem vida e a estética – que é essencial ao poema – andava a léguas de distância.

 E bateu-me a angústia, abatendo-me. Arre! Que pleonasmo...

O prazo a correr, e a obra empacada, teimando em não sair. E a prefeita, através de Mariano, a cobrar, visto que havia providências a serem tomadas, como arranjos musicais e gravação em disco. Dias, semanas e meses... e o poeta, obtuso, sem inspiração, a suar calafrios, no temor do não cumprimento da palavra empenhada. Eu dormia e acordava sonhando com o hino, hino idealizado, prontinho na cabeça, mas teimando em não descer ao papel. Já pelo mês de julho, de repente, acordo no meio da noite e...

 ... Vapt-vupt! Saiu o danado do hino, de uma só canetada. Se alguma correção fiz, foi apenas para melhor adequação de palavras. Encaminhei-o à prefeita, a qual, achando-o bom ou ruim, aceitou-o, talvez em virtude da exiguidade do tempo.

Estava salva minha reputação.       


O hino das minhas angústias, afinal, saíra para a vida. Senti um indizível orgulho ao ouvi-lo em gravação. Era como um filho – meu primeiro filho literário! E esse filho ganhou vida. Quem primeiro me falou dele foi o Prof. Mariano, que assim se referiu: “Seu João, vamos a Francisco Santos; os alunos querem conhecer o autor do hino, que faz sucesso nas escolas”. Eu, a princípio, não quis acreditar em tal sucesso, mas devido a insistência do mano, após muitos convites, resolvi aceitar a fazer-me conhecido pelo alunado de minha Terra, alunado que, segundo Mariano,  cantava aqueles pobres versos de minha autoria. Mas, então, já era tarde para meu irmão: ele não pôde mais vir e morreria menos de quatro meses depois. Em dezembro do mesmo ano - 2004 - eu pude, finalmente, atender seu desejo: fui a minha Terra, a convite da professora Isaura Maria de Sousa, que me apresentou aos alunos de várias escolas. E qual não foi minha surpresa ao constatar que o hino “pegara”!

Hoje, mais de 20 anos depois de lançado, recebo convite para participar do lançamento oficial de Francisco Santos É assim..., obra informativa e de muito valor cultural e educacional, em que o hino é posto em destaque, numa caracterização estupendamente bem-feita.

Caros conterrâneos!

Por razões de saúde, vejo-me impossibilitado de comparecer a uma solenidade que seria para mim consagradora e gratificante. Eu, humilde filho do velho Loura, hoje só de poucos lembrado, posto em destaque num livro! Que oportunidade melhor para conhecer e fazer-me conhecido dos meus conterrâneos, das professoras que ensinam e dos alunos que cantam as estrofes do hino nascido da minha angústia e do meu amor pela Terra!?, a qual, em 40 anos não visitei mais que dez vezes. Quando, porém, a partir de 2004 pretendi retomar e retornar ao convívio de minha boa e querida gente, eis que o coração põe-se a me dar sustos. Um stentado (mola no peito), por recomendação médica, tem de ter certos controles e deve estar sempre em lugar de fácil e imediato socorro, em caso de necessidade.

Diante disso, desculpando-me pela ausência, quero, através desta nota, agradecer:

- Em primeiro lugar, a Deus, por ter-me permitido criar do nada a letra deste  hino que canta minha Terra;

- em segundo lugar, à pessoa que deu ensejo a que ele fosse produzido. Trata-se da prefeita de então e de agora: Maria Carleusa dos Santos Batista de Carvalho;

- em terceiro lugar, a esta pessoinha que idealizou a sua caracterização, pessoa cuja pouca estatura está inversamente proporcional ao tamanho de sua inteligência. Refiro-me a Rosa Isaura, esse pequeno frasco em que se contém inteligência tão rara. Rosa Isaura: muito obrigado!

   - por último, mas com merecido destaque, pois sem esse quarto elemento o  hino seria letra morta, desejo agradecer, de coração, às professoras e professores, aos alunos e ao povo em geral, que o acolheu como um dos símbolos cívicos de nossa Terra.

  Finalizando, quero transcrever um pequeno trecho de um livro meu, ainda inédito, em que dou notícia do amor que tenho a minha Terra, com o objetivo de tentar responder à pergunta que alguns haverão de fazer: “Quem é este “ilustre” forasteiro que nos vem falar de amor à terra, se ele por aqui não dá as caras?”  
C O N F I S S Õ E S

         Eu amo minha Terra. A meu modo. De longe, e em silêncio. Um silêncio que não é do esquecido. Embora pareça apátrida, ingrato, vez por outra filho pródigo, vivo impregnado de lembranças de minha Terra, de sua gente, de seus costumes, de seu modo de ser e de viver.

         Minha Terra é um Altar. Altar de sacrifício e de felicidade! Aqui derramei muitas lágrimas, porém desfrutei  do  mais puro e profundo amor: o amor de meu pai! Aqui, no mais profundo desse solo-berço, há de encontrar-se um restinho de barro de sua carne. Quem sabe a relva mais singela não lhe deva a vida? Aqui também me quero ficar, quando chegar minha hora, para renascer nessa relva simples de pé de sepultura. E também ser essa lembrança do que um dia (?) serei: uma reles folha de capim - um quase nada a balançar-se ao vento!

                   Por isso,

                   por seres a Terra de meus pais,

                   berço dos meus antepassados,

                   amo cada palmo desse teu sagrado chão,

                   cada pedra ou grotão!

                   Amo até a gostosa areia que eu comia,

                   aparada das sandálias de couro de Seu João Mariano,

                   quando seguíamos para a vazante

                   - eu atrás

                   e ele adiante, a caminhar:

                   - Currulepo... currulepo... currulepo...

                   Empanturrava-me dessa areia,

                   areia aparada de suas “currulepas”.

                   Daí que amar - e relembrar! - minha Terra

                   é como esse vício antigo de comê-la;

                   e é do que me venho sustentando,

                   desde que a deixei,

                   ainda na longínqua infância.

*  *  *

          Mas a gente cresce... cresce.... cresce... E o arco do círculo da vida se vai fechando pouco a pouco... 

         Com vistas à minha futura aposentadoria, alimentei um sonho durante vários anos. O sonho de retornar à velha Terra, aos meus pastos da infância. Recompraria a velha casa e as roças que haviam sido nossas, e ali implantaria um pequeno projeto leiteiro ou hortifrutigranjeiro. E então reviveria na velhice os gozosos tempos da infância e mocidade.

         Minha mulher, astuta e inteligentemente, entendendo que aquele projeto nada tinha de econômico, mas era fundamentalmente sentimental, procurou dissuadir-me com um argumento deveras contundente:

         - Meu velho! isso é quimera. Você busca o inalcançável. Os velhos de seu tempo, de quem você tanto fala, estão todos mortos. Não vê seu pai? Também seus amigos de infância migraram para outras terras. Até os caminhos já não são os mesmos; as árvores que você tanto amava, foram cortadas ou morreram. Não vê como está o velho flamboyant da frente de sua casa? Está retorcido e já não flora mais. Parece que chora os que se foram... As coisas, meu velho, não se repetem nunca. Que lhe restará se não ficar nessa espera angustiosa por coisas que jamais voltarão?

         Ai, dona Sônia! Atingiu bem no âmago. Dedo na ferida. Eu sempre soube que seria assim. A espera inútil...

         E desisti do projeto...

*  *  *

          No entanto hoje estou aqui, recordando essas coisas, com essa dor no peito, essa imensa saudade. Em minha vida sempre padeci da síndrome da perda ou da morte precoce: minha doce mãe, meu autoritário mas bondoso pai, minha irmã mais velha, depois uma de minhas irmãs “do meio”, meus projetos e sonhos em que somente eu acreditava, e a Terra, de que me afastei, sem uma explicação aceitável.

*  *  *

         Mas nem tudo foi em vão. Ver  o hino caracterizado – com destaque! – é recompensa mais que gratificante. E também não foi inútil principalmente porque hoje posso dizer, alto e bom som:

                  Jenipapeiro dos meus verdes anos;

                  Francisco Santos de tantas reminiscências;

                  Terra de tantas e raras inteligências;

                  – eu te amo!


  Professora Rosa Isaura,
  diga isso por mim aos meus caros conterrâneos.

 MUITO OBRIGADO.

 JOÃO BOSCO DA SILVA
(Por ocasião do lançamento do livro: Francisco Santos é assim... em julho de 2007.

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