sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Fazendeiro (Di)Versos&Estação do Estilo e Forma - Por João Bosco da Silva



JOÃO BOSCO DA SILVA








                        




                           FAZENDEIRO

                    (DI)VERSOS
             

                            (CRÔNICAS-POEMA)



                            TERESINA-PI
RESENHA DA RESENHA
Por: João Bosco da Silva

Artigo da revista VEJA, edição de 14 de julho de 1999, assinado por Carlos Graieb, sob o título “Tribos Invisíveis”, inicia-se por afirmar que “interessar-se por poesia é como mexer num vespeiro”. Como fala de vespeiro, e vespa é animal, ele divide esse vespeiro em famílias, agrupando-as de acordo com as características de cada uma delas. Assim  é  que  existe  a família dos neovan-
guardistas, a dos neomarginais,  a dos concretistas, a dos neoconservadores, dentre outras. E vivem, esses grupos, a se digladiarem, sendo que as farpas mais agudas são terçadas entre neovanguardistas e neoconservadores. Os neomarginais, por e xemplo, segundo Graieb,  são marcados  “por um grande desejo de  dessacralizar a  literatura, por  um quase desprezo pela cultura erudita”, ao passo que os neoconservadores pugnam  por “um retorno às formas fixas, como o soneto, ou aos versos metrificados...”
                       Sem querer entrar nesta briga, mas entendendo que os últimos não produzem “versos reumáticos” ou que eles não são a “decadência da cultura ocidental”, como acusam os neovanguardistas, e comungando com aqueles que dizem que a estes “falta visão” e que “todos escrevem a  mesma coisa,  sem nada significar”, e ainda que “eles (os poetas desse grupo) têm muitos recursos, conseguem efeitos pirotécnicos, mas parece não ter nada a dizer sobre a vida e a experiência (pois) falta-lhes ... o gesto ativo da criação” - diante de tudo isto, acabei por fazer minha opção pelo grupo dos neoconservadores, por entender que sua poesia é mais rica, mais elaborada e de feitura bem mais difícil e com  enormes possibilidades de permanência.
                       Acho inconcebível  que alguém tenha coragem, em sua academia ou em seu grêmio literário, ou mesmo na banca de cerveja, de levantar-se e declarar: “Vou declamar  um  poema  de  um jovem poeta, muito promissor, que acaba de ganhar, entre nós, concurso literário de poesia”. E sapeca os versos de elevadíssima inspiração:

                       “No meio da reunião ele saiu pela
                       janela
                                                    do oitavo andar

                                                    prosseguiram sem ele”

                       Ou:

                       “A forma da foda não deforma o feto”.

                       Ou, ainda:

                                      “Segunda      a      Sexta
                                      Seg               o          Sex”

                       Posso estar enganado, e muita gente aprecie este tipo de poesia e, inclusive, a declame e recite,  até como forma de dar força e unidade ao grupo. Mas quero registrar que Manoel Paulo Nunes, a cuja acurada crítica e senso de observação ninguém põe ressalva, já destacava, em artigo publicado há algum tempo, que Cassiano Ricardo andava um tanto esquecido pelos leitores. Se a poeira do tempo, em pouco mais de meio século, recobriu glórias e lauréis do grande Cassiano, um dos monstros sagrados do modernismo poético de 22, há que se indagar sobre  quanto tempo resistirão os “poemas” acima referidos. 
                       Retornando ao artigo de Graieb, afirma ele serem os neovan-guardistas o grupo “que melhor define o ‘estilo de época’. Seu ideário é eclético, para dizer o mínimo. Eles assumem legados do modernismo de 1922, como o coloquialismo, o poema-piada e o poema-minuto”. A amostra acima ilustra muito bem as colocações do articulista. Faltaram, aí, o poema-charada, o poema-axioma, o poema-sentença, dentre outros, pois só falta alguém apresentar um livro de máximas ou de pensamentos  como de alta poesia. Não quero dizer, com isto, que poesia não exista em pensamentos ou máximas, bem assim que não existam verdadeiros monumentos poéticos na intitulada “poesia moderna”. Eles existem, e de muito boa feitura e qualidade.
                       Longe de mim o sentimento da gratuita iconoclastia, mesmo porque conheço as minhas limitações poéticas. Na poesia moderna, por exemplo, minha arte é parca, se não nula. Não consigo produzir, como re- querem alguns, uma poesia cerebral, de subentendidos, de sugestões, coloquial, sincopada ou hermética. Talvez o que produzo nem seja inteligente, pois carece de altos vôos de pensamento ou tiradas filosofais, como estas que acabo de realçar. Ademais, minha poesia é irritantemente lógica, completa, acabada. “Analítica, certinha demais”, conforme disse-me um crítico amigo. Não o nego, e reconheço que isto priva o leitor do prazer da descoberta, tira-lhe o gostinho de, também, participar do momento de recriação poética. Diante desta sincera e severa auto-crítica, não  espere  o compassivo leitor encontrar neste FAZENDEIRO (DI)VERSOS estalos ou insights.
                       Por tudo isso, e também por achar que minha formação literária e pendor artístico não combinam muito bem com algumas destas formas do moderno fazer poético (estruturalismo, experimentalismo, coloquialismo, pirotecnia verbofigurativa) optei  por dar o nome de “CRÔNICAS-POEMA”  a esta tentativa de feitura estético-literária no gênero POESIA MODERNA.     
                       Que me perdoe o benevolente leitor, em primeiro lugar, por desdenhar de quem, talvez, esteja praticando corretamente a arte da criação, e, em segundo, pela pretensão de incluir-me na categoria de poeta. Talvez esta atitude nada mais seja que apanágio daqueles que, por incapacidade de eles próprios fazerem, não querem admitir que outros o façam, e muito bem. Posso afirmar, contudo, que não critico por inveja, embora reconheça que algumas vezes, diante de uma obra-prima, experimente certa “inveja res- peitosa”, passando, então, a admirar seu mestre e criador. É mais ou menos aquilo que Milton Nascimento expressa em Certas Canções: “Certas canções que ouço / cabem tão dentro de mim / que perguntar carece / como não fui eu que fiz?” Aqui, não é o caso.
                       Finalizando, quero dizer que, pelo menos em um ponto, concordo com Carlos Graieb, quando diz: “No Brasil, como em outros países, basta uma  espiada  mais  atenta para constatar que os poetas formam um ecossistema peculiar, com suas regras e manias. Como no caso das vespas, trata-se de uma sociedade industriosa e agitada. Eles escrevem, publicam - e até brigam” - afirma o colunista, em sua chamada logo abaixo do título do artigo aqui referido.
                       Vivam, pois, os poetas-vespa!









                                ESTAÇÃO 22
                        (Tentativa de crítica à crítica do autor do artigo)

                        Às vezes,
                        até por falta do que fazer,
                        pega-se o poeta a “poetar” de brincadeira.
                       
                        E vai largando assim...
                        dadaisticamente...
                        uma palavra aqui,
                        uma palavra ali,
                        ora arrumando uma outra no final da pauta,
                                                         outra mais no começo,
                        ou vice-versa,
                        em exercício de experimentação concretista,
                                                                         estruturalista,                                                                            surrealista,
                                                                                figurativa          
                                                                      et cétera e tal...

                        Em redação circular,
                        ou interpolada
                        ou interceptada,
                        ou interpenetrada,
                        ou desconectada
                        - vai monologando,
                        ou circunloquiando em torno de um tema,
                        ou de temas diversos,
                        com ou sem transição de assuntos,
                        deixando em suspenso o sentido de uma frase,
                        ou fabricando lacunas,
                        ou fazendo jogo com pedaços de sílabas,
                        criando ou reinventando palavras,
                        ou produzindo subentendidos
                        na síncope das orações soltas,
                        ou nas reticências...
                       
                        E o leitor?
                        Que se dane o leitor no esforço cerebral
                        de arranjar sentido para o alinhavo tortuoso,
                                                                         ilógico e sem nexo
                        em que navegam a aparente incoerência e a inestética
                        da recriação do artista do verso.

                                               Teresina-PI., 27.08.99





Homenagem àquele que tão bem
                                          soube fazer o que de modo algum jamais eu faria:
                                            p o e s i a !

                            “Vida toda linguagem -
                                                                           como todos sabemos
                                    conjugar esses verbos, nomear
                                    esses nomes:
                                                                  amar, fazer, destruir,
                                    homem, mulher e besta, diabo e anjo,
                                    e deus talvez, e nada.

                                    “Vida toda linguagem,
                                    vida sempre perfeita,
                                    imperfeitos somente os vocábulos mortos
                                    com que um homem jovem, nos terraços do
                                                                         (inverno contra a chuva,
                                    tenta fazê-la eterna - como se lhe faltasse
                                    outra, imortal sintaxe
                                    à vida que é perfeita
                                                                            língua                   
                                                                                                   eterna.”


                        Belo poema de Mário Faustino (Vida toda linguagem)
  G  E  N  É  R  I  C  O  S


                        O  GRANDE  EDIFÍCIO  INACABADO


                                      
                                    v                                 
                                    e                                                                               
                                    m . . .                                                                                           
                        . . . das trevas absconsas do albor dos  tempos
                        sempre aumentando
                        crescendo
                        agigantando-se
                        tijolo a tijolo
                        desde o alicerce sem autoria
                        até à construção maravilhosamente inacabada
                        espiral sempre aberta
                        sem croquis
                                    ou plantas previamente aprovadas
                                    mas babel harmoniosa
                                    em que tudo se  i n t e r l a ç a
                        e   e n t r e l a ça
                                                                i n t e r p o l a
                         e   e x t r a p o l a
                                                                 a s c e n d e
                             e   t r a n s c e n d e
                                                                  e n g l o b a
                        e   c o n g l o b a
                                  no somatório geral de conhecimentos
                                      e experimentos
                                  o grande edifício inacabado
                                  aberto e renovado
                                 da Cultura dos Povos...
                                                           


                                                    Hóstia Biônica

                        Diante do “monstro sagrado”,
                        o operador eficiente digita informações
                        para relatórios ao todo-poderoso chefão,
                        chefes
                        e chefetes:
                        - Não sobrevivem sem eles.

                        Apertam-se botões,
                        clicam-se  sobre mágicos sinais...
                        - e o resultado instantâneo no painel luminoso!

                        Fantástico!

                        ... Subirá a cotação das ações da Orwel Corporation.
                        ... A BV de Londres fechará em baixa;
                            a de New York, em alta.
                        ... Prenúncio de crise na CIA.
                        ... Tendência de golpe de Estado no Chile.
                       
                        Estas são informações obtidas
                        a partir da análise de alguns poucos dados.

                        Fantástico!

                        Na civilização do consumo,
                        na era do plástico,
                        do estético
                        (do não-ético),
                        o patético contraste.

                        Na era da cibernética,
                        “O homem toma a hóstia biônica
                        na certeza de que ali está o Novo Cristo
                        redivivo nele próprio”.  *


                        A psico-história o aponta,
                        com antecipação de milênios,
                        como o SEMIDEUS terreno
                        a tornar-se o futuro Deus Galáctico.

                        Fantástico!

                        Criou fórmulas complicadas,
                        libertando-se da, para se prender à máquina
                        - escravo submisso ao Novo Deus de Aço Eletrônico.

                        Cibernética!
                        Biônica!
                        Eletrônica!
                        - Façam-se Tronos para os Novos Deuses!

                        Faz tudo muito bem feito
                        - e rápido! -
                        a eletrônica:
                        - calcula milionésimos,
                          reduz a mícrons a matéria;
                          mensura até a consciência do homem,
                          bastando que se lhe forneçam alguns dados
                          da personalidade!

                        Fantástico!

                        Só lhe falta mesmo fazer amor.
                        ( - Será?
                        - O amor já não se faz como antigamente...
                        - Quem sabe, programando... ?)

                        Fantástico!

                        Viva o Senhor Computador!

                        Pena haver faltado no seu equipo
                        neuro-físico-eletrônico,
                        um chipzinho de nada:
                        - o chip que seria,
                        na réplica da sociedade dos homens,
                        o ministro
                        para os negócios dos ¾ da humanidade faminta!

                        F a n t á s t i c o !

                        Ah!
                        houvesse esse pequeno chip
                        em sua memória fantástica,
                        quem sabe haveria
                        muito mais chá na hora do pão leve dos homens!



                                 * Texto de Sebastião Nery
                                 _______________________________________________
                                 (Por ocasião do aniversário de 2.500 anos da Pérsia, ao tempo do Xá  Reza Pahlevi, em que foi servido  um  banquete para  exatos 2.500  convidados.)

                       


                        OS NOVOS CRUSOÉ

                                    “Meu filho!
                                    Meu filho!
                                    Não precisa atravessar a galáxia;
                                    pode brincar mesmo no sistema...”

                                    Charge de Ponte Preta, há alguns anos,
                                    com sabor sátiro-anedótico
                                    e uns longes de incredulidade nos incríveis                                                                         eventos de então.

                                    Hoje,
                                    os novos Crusoé
                                    preferem o silêncio abismal das ilhas estelares!
                                   
                                    Em menos de 100 anos,
                                    Júlio Verne ficou na saudade!

                                    Oxalá!
                                    dentro em breve não estejam nossas mulheres                                                                        trogloditas
                                    servindo de cobaias
                                    a “inteligências” extraterrestres... !


                                    E S P E C T R O                 

                                    Quem é aquela criatura sem rosto,
                                                 perdida na multidão?
                                    Aquele que caminha sem destino,
                                                 bamboleante,
                                                           sem coração,
                                                                       sem alma?

                                    E parece perseguir uma sombra,
                                    e tropeça na própria sombra?
                                                   E vai e volta,
                                                           se vira e procura,
                                    mas nada encontra - nem chega?
      
                                    Partiu em busca de um sonho,
                                    mas não partiu nem ficou:
                                    - perdeu-se na neve,
                                      confundiu-se na bruma,
                                      tropeçou na sombra de sua sombra
                                      e encontrou-se abraçado ao nada!

                                    Aquele que fura o espaço,
                                     e se liberta da escravidão da força atrativa,
                                      e quebra a lei da gravidade,
                                       e conquista o Satélite,
                                        e - maravilhado! -
                                  descobre que a Terra é azul,
                                          e invade o sistema,
                                           e perfura a galáxia,
                                            e faz troça do Deus infinito:
                                             aquele é o homem!

                                    O Bicho-homem,
                                    que ainda não se conquistou a si mesmo,
                                    mas poderia possuir o infinito
                        com a força cósmica do amor!



JOÃO BOSCO DA SILVA
           
          
                 ESTAÇÃO
                DO ESTILO E FORMA



                   (SONETOS)


                     TERESINA-PI











 HOMENAGEM FEITA DE PEDAÇOS



Querida, ao pé do leito derradeiro,

em que descansas desta longa vida,

aqui venho e virei, pobre querida,

trazer-te o coração de companheiro.

                         (Machado de Assis)


Se lá no assento etéreo, onde subiste,

memória desta vida se consente,

não te esqueças daquele amor ardente,

que já nos olhos meus tão puro viste.

                                           (Camões)


E assim, quando mais tarde me procure

quem sabe a morte, angústia de quem vive,

quem sabe a solidão, fim de quem ama,


Eu possa me dizer do amor (que tive):

que não seja imortal, posto que é chama,

mas que seja infinito enquanto dure.
                   
                         (Vinícius de Moraes)











A B E R T U R A

ESTAÇÃO DO ESTILO E FORMA

Como em toda e qualquer londrina gare,
de horários certos e precisos trens,
também nessa Estação do Estilo e Forma
há regras certas para se chegar.

Igualzinho aos bem-postos silogismos,
que, em premissas maiores e menores,
levam a inevitáveis conclusões,
também se exige, aqui, final feliz!

Por tais e tantas, já nessa Estação,
por lhes faltarem engenho, arte e compasso,
hoje, poucas pessoas desembarcam.

Com métrica e com rimas, amarrado
a duas quadras e mais dois tercetos...
Camões? Por que inventei fazer sonetos?

Teresina-PI; 26.06.97


AOS ASES DO DOLCE STIL NUOVO

Da Língua Portuguesa, artífice acabado,
com o domínio total das formas da poesia,
Camões fez o soneto, gênero amarrado,
fluir como regato em doce melodia...

Mestres lusos também o foram o renegado
Bocage, que, ao depois, em crente tornaria;
e o não menos ilustre Antero, o inconformado
da Questão Coimbrã e da Democracia!

E em que pé colocar Correia, Alberto, Olavo,
que da mesma colméia foram mel e favo
- trilogia melhor de perfeccionistas?!!!

Última Flor do Lácio, inculta... - és culta e bela!
Como não aplaudir aquela enorme, aquela
plêiade brasileira de hábeis sonetistas?!!!

Teresina-PI., 15.01.91




CHAVE DE OURO

Primeiro, busco a idéia para, então
- rútila como o raio que esquadrinha
o chuvoso horizonte em toda a linha –
o processo ensaiar da criação.

Começo a rabiscar, cortar... Se não
acho a palavra certa, bem certinha,
tão certa quanto a espada na bainha,
frases inteiras tornam-se borrão.

Vou garimpando, assim, na mina escura,
a ganga das palavras na bateia,
buscando achar-lhes forma e formosura.

E ao burilar do último terceto,
escoimados o erro e a verborréia,
passo a chave de ouro em meu soneto.

Teresina-PI; 12.01.91




TEMÁTICA GERAL

PÔR-DE-SOL
(A Raimundo Correia)

O sol desfaz-se em ouro nas ramadas,
a tarde morre em leves tons,
e traz saudade e dor
e nostalgia!

Ouve-se então, ao longe, nas quebradas,
da ave-maria os doces sons...
Um lívido palor
já se irradia...

Hora em que as aves voltam aos ninhos...
Até a natureza,
morrer parece...

E a caminhar pelos caminhos
d’alma, a tristeza.
A noite desce...

Teresina-PI., out/64


AS FLORES

Têm uma enigmática linguagem,
também misterioso crescimento,
vivem libertas na camaradagem,
virgens dos bosques se embalando ao vento!

Têm uma vida breve, de um momento:
dir-se-ia uma efêmera passagem.
Simbolizando qualquer sentimento,
representam a mais perfeita imagem.

Ornamento ideal pra qualquer fim,
elas vicejam, lindas, no jardim,
e a sua distinção é merecida.

Tal como diz Bilac em seu poema,
elas encerram divinal emblema,
ornando a morte e ao mesmo tempo a vida.

Teresina-PI; 27.02.68




COISAS DO CAMPO

Olhai, olhai aquele passarinho,
em adejos alegres lá no galho...
Agora vai sorver com seu biquinho
o néctar matinal do fresco orvalho...

Olhai, olhai, que belo aquele ninho,
feito (talvez em meu pensar não falho)
por esse joão-de-barro pequenino,
com persistente e árduo trabalho!...

Olhai, olhai do campo as belas cousas:
o bosque verdejante, as mariposas
e o pastio dos bois e das ovelhas...

Olhai, olhai aquela linda flor,
que fornece o dulcíssimo licor,
matéria-prima do mel das abelhas...

Teresina-PI., 28.02.69



PRECE DE LAVRADOR


De repente, uma tarde, o sertanejo nota
que o tempo está mudado: faz muito calor.
Circunvaga  o olhar, então, ao derredor,
e vislumbra no céu uma nuvem remota.

E, logo alvoroçado, o pobre lavrador,
Fervoroso ao bom Deus uma prece devota,
e enquanto que o suor a sua fronte embota,
vai prosseguindo firme em seu rijo labor.

Traça em seguida os planos para a plantação,
e vê-se mentalmente na execução
da próxima tarefa, com bastante zelo.

Mas a longínqua nuvem passa branca e alta,
não lhe trazendo a chuva que faz tanta falta...
E ele espreita o horizonte em novo e mudo apelo.

Teresina-PI., 20.02.69


RETIRANTES
(Ao Povo Nordestino)

Pelas estradas tórridas avança
a multidão faminta e fatigada,
levando apenas pálida esperança
e a saudade da gleba esturricada.

Ontem, a terra: esteio e segurança;
hoje, a seca: poeira...  e pedra... e nada!
E assim, faltando a básica sustança,
vão as famílias pondo o pé na estrada.

Espectros que caminham sem destino,
esquecidos da cor, da idade e sexo,
buscando alívio para o desatino.

Retirantes em êxodo. Vão juntos,
agora unidos pelo mesmo nexo,
os caminhos juncando de defuntos.

Teresina-PI., 09.10.69
Inspirado no capítulo “Os Salvados” de A Bagaceira.


A CHUVA


O firmamento azul é, de repente,
por grossas nuvens túrgidas tomado,
e os horizontes, paulatinamente,
revestem-se de negro cortinado.

Brincam nos ares eletrificados,
corcéis de fogo em forma de serpente,
enquanto estrugem os trovões, rolados,
enchendo de terror a muita gente.

Ato contínuo, em meio a tais sinistros,
das torneiras São Pedro abre os registros,
e a chuva cai, trazendo promissão.

A Terra, sequiosa e agradecida,
a bebe toda... E farta verde vida
em breve eclodirá pelo sertão.

Lagoa Bonita-Poção de Pedras-MA; 16.04.69