BRASÍLIA
— Com as galerias repletas de manifestantes que, de pé, aplaudiram os
deputados, a Câmara aprovou nesta terça-feira, por 319 votos a favor e 32 contra,
além de duas abstenções, projeto de lei complementar que reabre a possibilidade
de criação de novos municípios via assembleias legislativas dos estados. Sete
destaques para modificar o texto ainda foram apreciados. A farra de criação de
novos municípios foi interrompida em 1996, quando emenda constitucional
aprovada exigiu a aprovação de lei federal traçando os novos critérios para a
criação, incorporação e desmembramentos de cidades a serem seguidos pelas
Assembleias estaduais. O texto original já tinha sido aprovado no Senado, mas
como foi modificado pela Câmara, retorna àquela Casa para nova votação.
Levantamento feito pelo GLOBO nas Assembleias dos
26 estados da federação revelou que, se a porteira for novamente aberta, o país
poderá ganhar até 410 novos municípios, elevando para quase 6 mil o número de
cidades brasileiras — hoje já são 5.578 municípios. A criação de novos
municípios implica em aumento de gastos para custear as estruturas de Executivo
e Legislativo da nova cidade, além de novos representantes a serem eleitos, os
servidores públicos que irão dar suporte.
O texto
base, negociado pelo governo federal com os parlamentares, foi aprovado por
volta de 21h30m. Seis dos sete destaques que tentavam modificar o texto,
tornando as regras mais flexíveis, foram derrotados e apenas um aprovado,
contra a vontade do governo. Foi retirada do texto o impedimento de desmembrar
municípios que tenham áreas pertencentes à União, suas autarquias e fundações.
O líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), fez o apelo para que o texto
acordado fosse mantido.
- Vamos
manter o texto, foi fruto de acordo. Se modificarmos, o texto irá ao Senado,
mas não se sabe quando será votado - ameaçou Chinaglia, ao perceber que
partidos da base aliada estavam apoiando a emenda apresentada pelos tucanos.
O apelo
de Chinaglia não surtiu efeito. Dividida, a base aliada permitiu a aprovação da
emenda. Os deputados que defenderam a modificação argumentaram que o texto
inviabilizaria a emancipação em vários estados, como o Pará, onde existem
muitas terras da União. Mesmo se houver o desmembramento, argumentaram técnicos
da Câmara, a terra continuará sendo da União.
O
presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) fez questão de comandar
a votação. Vários deputados subiam à tribuna para falar a favor do projeto,
dizer que estavam votando "para o bem do Brasil" e receber os
aplausos dos manifestantes. Todos os partidos, com exceção do PSOL,
encaminharam orientações a favor do projeto. O governo federal negociou o
projeto e apoiou sua aprovação.
— Abre-se
a possibilidade de ocorrer o “boom” de criação de novos municípios, como o que
aconteceu entre 1991 e 1996, quando foram criados mais de mil novos municípios.
Esse projeto é resultado da pressão de pré-candidatos a vereadores e prefeitos
— criticou o líder do PSOL, Ivan Valente (SP).
— Só quem
critica é quem não mora nos municípios. Isso vai garantir saúde, educação para
os distritos que sofrem. Vamos votar e vamos emancipar — reagiu o deputado João
Ananias (PCdoB-CE).
Normas
mais rígidas e plebiscitos
O projeto
aprovado estabelece normas mais rígidas das válidas antes de 1996, exigindo a
realização de um Estudo de Viabilidade Municipal e a realização de plebiscitos
envolvendo não só a população a ser emancipada, como a da chamada cidade-mãe
que irá perder parte de seu território. O plebiscito será feito
preferencialmente junto com as eleições gerais, para redução de gastos.
Entre as
regras está a exigência de um número mínimo de habitantes, que irá variar de
acordo com a região, além de condições econômicas que permitam a consolidação e
desenvolvimento dos municípios. De acordo com o projeto, será considerada a
média aritmética da população dos municípios médios brasileiros, que, de acordo
com os deputados hoje é de 12 mil habitantes. No caso do Norte e Centro-Oeste,
o novo município terá que ter população equivalente a pelo menos 50% desta
média (pelo menos 6 mil habitantes); no Nordeste, 70% da média nacional e no
Sul e Sudeste, 100% desta média.
O projeto
diz que o estudo de viabilidade municipal só será levado adiante se o mínimo
populacional for cumprido, junto com o apoio de 20% dos eleitores da área a ser
emancipada. O pedido é encaminhado à Assembleia para a realização do estudo de
viabilidade econômico-financeira; político-administrativa e sócio-ambiental e
urbana. No caso da viabilidade econômica, o projeto exige a comprovação de o
novo município ter receitas de arrecadação própria, capacidade de se manter e
cumprir a aplicação dos percentuais mínimos em educação e saúde. O texto diz
que os estudos serão feitos, preferencialmente, por instituições públicas de
comprovada capacidade técnica e serão concluídos, em prazo máximo de 180 dias
após sua contratação.
A
proposta original foi apresentada pelo senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) e
aprovada, em 2008, pelo Senado. Desde então, tramita na Câmara. O texto
aprovado foi negociado com líderes de vários partidos e pelo governo federal. O
deputado José Augusto Maia (PTB-PE) negociou o substitutivo com o governo.
Segundo ele, a proposta é rigorosa, mas permitirá a correção de problemas
vividos por alguns distritos que estão muito distantes do município a que está
vinculado. Maia afirmou que no Pará existem distritos que ficam mais de mil
quilômetros distantes da cidade sede.
— Este
projeto acaba com a farra da criação. São regras rígidas, só os que tiverem
viabilidade econômica e população mínima poderão ser emancipados. Em Pernambuco
entre cinco ou seis atendem às novas exigências. Existem 410 pedidos nas
assembleias, mas acredito que só 150 atenderão às exigências — afirmou Augusto
Maia, acrescentando: — Os gastos serão cobertos pela arrecadação de impostos
municipais na nova área. A emancipação permite o desenvolvimento do município.
Isabel Braga(O GLOBO)
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