Não é
segredo, mas o fato de a coisa ser óbvia não faz brotar do chão as obras: o
principal problema econômico do Brasil é o imenso déficit na infraestrutura -
estradas, ferrovias, hidrovias, mobilidade urbana, portos, aeroportos e
energia. Esse déficit se deve à incapacidade do governo federal de dar
realidade aos investimentos públicos.
Como proporção do PIB, o Brasil está
entre os dez países do mundo onde o governo menos investe. Um paradoxo, sem
dúvida, se levarmos em conta o tamanho da carga tributária - a maior do mundo
em desenvolvimento - e a excepcional bonança externa que favoreceu a economia
brasileira desde meados da década passada até recentemente.
Os frutos dessa bonança e os maiores
recursos fiscais não foram aproveitados para elevar investimentos, e sim para
financiar gastos correntes do governo, consumo importado (que substituiu a
produção doméstica), turismo no exterior e grandes desperdícios. Não é por
menos, aliás, que o Brasil caminha firme rumo à desindustrialização e, com ela,
à queda de investimentos no setor, à exportação de postos de trabalho mais
qualificados e à renúncia dos benefícios do progresso técnico que acompanha a
atividade manufatureira.
Mais ainda: o País tornou-se vítima,
novamente, do desequilíbrio externo, com um déficit em conta corrente
caminhando para 4% do PIB. Nota: é bobagem relativizar o peso desse número com
a máxima de que temos reservas altas. Relevante é a tendência observada, que
piora as expectativas, leva à contração dos investimentos privados e à pressão
sobre a taxa de câmbio.
Parece paradoxal, mas o fraco
desempenho dos investimentos públicos se deve à inépcia, não à escassez de
recursos. O teto dos investimentos federais pode até ser baixo, e é, mas o
governo não conseguiu atingi-lo. A falta de projetos, de planejamento, de
gestão e de prioridades é o fator dominante.
Há exemplos já
"tradicionais" de obras que, segundo o cronograma eleitoral
propagandeado, deveriam ter sido entregues, mas percorreram de zero à metade do
caminho, como a Ferrovia Transnordestina, a transposição do São Francisco, a
Refinaria Abreu e Lima, a Ferrovia Oeste-Leste (Bahia), as linhas de
transmissão para usinas hidrelétricas prontas (Santo Antônio e Jirau), etc. A ponte
do Guaíba, no Rio Grande do Sul, nem saiu do projeto. Dez aeroportos da
Infraero estão com contratos paralisados. Os atrasos das obras nas estradas
federais contempladas no PAC são, em média, de quatro anos - para a BR-101, no
Rio Grande do Norte, serão, no mínimo, cinco: deveria ter sido entregue em 2009
e foi reprogramada para 2014. Depois de um pacote de concessões de estradas
muito mal feito, em 2007, só agora, seis anos depois, o governo anuncia um
novo, e em condições adversas, dadas as incertezas da economia e dos marcos
regulatórios.
O emblema da falta de noção de
prioridades é o trem-bala, anunciado em 2007. Só transportaria passageiros e,
segundo o governo, custaria uns R$ 33 bilhões. O Planalto garantia que seria
bancado pelo setor privado. O aporte do Tesouro Nacional não passaria de 10% do
total. Graças à inépcia - nesse caso, benigna, porque se trata de uma
alucinação - e ao desinteresse do setor privado em cometer loucuras (apesar dos
subsídios fiscais e creditícios que receberia), não se conseguiu até hoje
licitar a obra. Depois do recente adiamento, o ministro dos Transportes estimou
que a concorrência ficará para depois de 2014. Ao ser lançado, o governo dizia
que já estaria circulando durante a Copa do Mundo...
Desde logo, os custos foram
grosseiramente subestimados. Esqueceram-se as reservas de contingência e foram
subestimados os preços das obras. O custo dos 100 km de túneis foi
equiparado ao dos túneis urbanos, apesar de serem muito mais complexos e não
disporem de rede elétrica acessível. Esqueceram-se de calcular o custo das
obras urbanas para dar acesso rápido às estações do trem. A preços de hoje, a
implantação do trem-bala se aproximaria de R$ 70 bilhões. Além dos subsídios do
BNDES, que saem do bolso dos contribuintes, o banco seria investidor direto, ao
lado da... Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos!
A obra não foi adiante, mas o governo
não desistiu. Para variar, criou uma empresa estatal para cuidar do projeto,
que já emprega 140 pessoas. Até o ano que vem, o alucinado gestor governamental
do trem-bala anunciou o gasto de R$ 1 bilhão, sem que se tenha movido ainda uma
pedra. O atual ministro dos Transportes desmentiu-o, assegurando que seriam
apenas... R$ 267 milhões! Sente-se mais aliviado, leitor?
Admitindo
que seria possível mobilizar R$ 70 bilhões para transportes, um governo
"padrão Fifa", como pedem as ruas, poderia, sem endividar Estados e
municípios, fazer a linha do metrô Rio-Niterói, completar a Linha 5 e fazer a
Linha 6 do metrô de São Paulo, concluir o de Salvador, tocar os de Curitiba e
Goiânia, a Linha 2 de Porto Alegre, a Linha 3 de Belo Horizonte, construir a
ferrovia de exportação Figueirópolis-Ilhéus, a Conexão Transnordestina, a
Ferrovia Centro-Oeste, prolongar a Norte-Sul de Barcarena a Açailândia e Porto
Murtinho a Estrela d'Oeste, o Corredor Bioceânico Maracaju-Cascavel e
Chapecó-Itajaí. E, é certo, poder-se-ia fazer uma boa ferrovia Campinas-Rio de
Janeiro, com trens expressos normais, aproveitando a infraestrutura já
existente.
Nessa perspectiva, seriam investidos
R$ 35 bilhões em transporte de cargas e outros R$ 35 bilhões em transporte de
passageiros, beneficiando mais de 5 milhões de pessoas por dia. O trem-bala, na
suposição mais eufórica, transportaria 125 mil pessoas por dia - 39 vezes
menos!
É evidente, leitor, que nada disso é
fácil. Acontece que, no geral, as facilidades se fazem por si mesmas.
Populações criam o Estado e elegem governos para que se façam as coisas
difíceis e necessárias. Só por isso aceitamos todos pagar impostos, abrir mão
de parte das nossas vontades e sustentar uma gigantesca burocracia. Os governos
existem para tornar mais fáceis as coisas difíceis, e não para fazer o
contrário.
O Estadão - 22/Agosto/2013
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