terça-feira, 18 de junho de 2013

O centro do debate.




          As manifestações ocorridas em São Paulo nas últimas duas semanas permitem algumas reflexões. Que o transporte coletivo é ruim e caro, para os padrões do serviço oferecido, ninguém discorda. Mas não é esta a questão que está no centro do debate.

          O que se discute é como combinar a defesa do estado democrático de direito, a liberdade de manifestação e o direito de ir e vir. O que está ocorrendo em São Paulo não tem qualquer relação com as manifestações de Brasília ou do Rio de Janeiro. Nestas cidades, o centro das reivindicações são os gastos abusivos da Copa do Mundo e o abandono daquilo que afeta o cotidiano da população: saúde, educação, etc.

          É como em 1968: enquanto no Rio a passeata dos cem mil defendia a democracia, em São Paulo, no mesmo dia, teve o atentado terrorista contra o II Exército.
Na busca de paralelos onde eles não existem, já foi possível ler e ouvir relações entre as manifestações de São Paulo com o que aconteceu nos países árabes, na Turquia, ou até com 1968.

          Os mais exaltados apontaram que nada mais é que o mal-estar da civilização com a globalização e que o capitalismo vive uma crise terminal (como profetizado desde o século XIX...). Os jovens seriam emissários desta nova ordem pós (sempre tem de ter um “pós”) globalização, uma continuidade do falecido movimento Ocuppy Wall Street. Lembram-se que, em 2011, diziam que o movimento iria se espalhar pelo mundo inteiro? O que aconteceu semanas depois? Nada.

          A tentativa de relacionar com momentos da nossa História onde inexistiam — como agora — um regime de amplas liberdades é patética. Neste ritmo, logo veremos algum estudante de 68 gritando — 45 anos depois, já idoso — pelas ruas de São Paulo: “a luta continua.” Qual luta?

          A organização efetiva dos atos não é de um movimento autônomo, apartidário, de jovens insatisfeitos com a política e desejosos de encontrar alguma forma de participação. Nada disso.
Quem efetivamente dá as ordens são pequenos grupos ultraesquerdistas. E o fazem para dar alguma satisfação aos seus exíguos militantes. Estão há anos discutindo e escrevendo sobre a crise do capitalismo. Falam e não encontram adesão na sociedade. Continuaram só falando. E foram perdendo o ralo apoio que tinham.

          Sem crise econômica e um desemprego monstruoso, como em vários países europeus, restou a estes grupos encontrar algum móvel de luta, para que não desaparecessem.
O aumento das passagens de ônibus — abaixo da inflação, registre-se — caiu do céu. Foi o meio que as lideranças obtiveram para ter a legitimação das bases cansadas de ouvir discursos revolucionários sem uma efetiva ação.

          O ataque aos bens públicos e privados, a tentativa de linchamento de um policial militar na Praça da Sé, atos que não têm qualquer relação com o aumento das passagens, são vistos como ação revolucionária, de resistência ao capitalismo e ao seu poder opressor, a polícia.
O vandalismo é o alimento destes grupelhos que agem de forma violenta, desprezando os valores democráticos e os direitos constitucionais. Sonham com um Brasil nos moldes de Cuba, Coreia do Norte. Não entendem que a liberdade de manifestação não se sobrepõe ao direito de ir e vir. E este é o desafio da democracia: garantir ambos os direitos. E agir com energia — dentro dos limites legais — quando qualquer um deles estiver sendo violado.

          Nestes momentos de tensão — inerentes ao regime democrático — é que são testadas as autoridades. O governador de São Paulo não se omitiu. Presumo que saiba que tem um custo político a defesa da lei e da ordem democráticas em um país que valoriza e estimula tudo o que é ilegal.
Temos uma propensão à marginalidade. No caso das manifestações há os que justificam o vandalismo como uma forma de protesto, de insatisfação, de jovens que são incompreendidos pelo que chamam de sistema. E a ação do estado democrático de direito é demonizada.
Como é possível conter a destruição de ônibus, lojas, bancas de jornais, bares, liberar ruas e avenidas, sem o uso da força? E os abusos cometidos pela ação policial deverão ser investigados e devidamente punidos.

          É evidente a tentativa do governo federal de obter algum dividendo político das manifestações. As declarações dos ministros José Eduardo Cardozo e Ideli Salvatti visam a desgastar politicamente o governador Geraldo Alckmin. Os mandriões atacaram quem simplesmente fez cumprir a Constituição.
A pergunta é: quem vai ganhar, politicamente falando? Ou será que todos — os partidos constituídos — vão perder?

          Não faltam praças para mostrar indignação contra tudo e todos. Por que não aproveitam e pedem a prisão dos mensaleiros, a começar pela do sentenciado José Dirceu? Mas não é esse o objetivo dos manifestantes em São Paulo, volto a dizer, diferentemente do Rio ou de Brasília.
Grande parte dos manifestantes — especialmente a liderança que se pronuncia pela imprensa — é da classe média. Da classe média mesmo, não daquela inventada pelo petismo, a tal “classe C.” Nas imagens não encontrei trabalhadores, pobres, negros.

          Não vi também, protegendo os próprios municipais, a Guarda Civil Metropolitana. Foram omissos, como o prefeito Fernando Haddad — e o aumento das passagens de ônibus é da esfera da prefeitura. E a Câmara de Vereadores? Mutismo total. Os 55 vereadores servem para quê?
Pode ser que a luz contra o marasmo venha do Rio ou de Brasília.

Marco Antonio Villa é historiador.

Para inserir um comentário, vá abaixo  na palavra "comentários", e deixe sua opinião.