Dora Kramer - Publicado no Estadão desta Terça-Feira
O ministro
Gilberto Carvalho parece que estava adivinhando. Em meados de dezembro, há
exatos seis meses, o secretário-geral da Presidência da República gravou em
vídeo uma saudação de fim de ano ao PT convocando a militância a ir às ruas
“assim que passarem as festas”.
Aconselhava os companheiros a
“descansarem bem agora” porque “em 2013 o bicho vai pegar”. Demorou um
pouquinho, mas não deu outra: o bicho pegou.
Em configuração diferente daquela
pretendida pelo ministro na convocatória de dezembro. Lá a ideia era “a gente
ir para as ruas” em defesa do governo federal, contra os “ataques sem limites
ao nosso querido presidente Lula”.
Na concepção do ministro, em protesto
a “eles”. Quem? “Os mafiosos midiáticos da oposição ao Brasil”, cujo objetivo
único na versão natalina de Carvalho seria a destruição “do nosso projeto, do
nosso governo, do nosso PT”.
Note-se a expressão “da oposição ao
Brasil”. Refere-se a qualquer grupo, cidadão ou instituição que critique ou
discorde do governo tornando-se, por isso, automaticamente inimigo do País.
O ministro atirou na imagem
construída por devaneios persecutórios costumeiramente usados como armas de
ataque disfarçadas em instrumentos de defesa, mas acertou em sentimentos distantes
do alcance da vista.
Há exaustão, há revolta, há
contrariedade. Mas não há por parte dos exaustos, dos revoltados, dos
contrariados adesão a partido algum. Não que os manifestantes ou parte deles
não tenham suas preferências, mas elas não se expressam na explosão da chama
acesa pelo aumento das passagens de ônibus.
À exceção de grupos alojados em
pequenas legendas cuja expressão é nenhuma, não há até agora a digital de
partidos por trás dos protestos que pegaram o Brasil de surpresa.
De um modo geral os políticos têm
evitado falar. Estão tentando entender o que se passa, antes de se pronunciar.
Os poucos que o fizeram ou falaram bobagem ao repetir os velhos bordões sobre
“orquestração” de adversários ou passaram ao largo da questão central: a
discrepância entre a agenda do mundo política e as demandas de uma sociedade
maltratada pelo Estado.
Seja ele representado por governantes
do PT, PSDB, PMDB ou qualquer partido. Estão evidentemente à margem dessa
mobilização popular. Além de não terem o menor interesse em transferir o jogo
da política de espaços conhecidos (gabinetes, Congresso e tribunais) para o
terreno desconhecido das ruas, são todos eles alvos da insatisfação.
Nessa altura quem aparecer para tentar
capitalizar eleitoralmente a comoção provavelmente será repudiado. O levante
também é motivado pelo descrédito na política. A desqualificação do Congresso,
a preocupação exclusiva dos partidos com a disputa de votos, a discussão
concentrada em eleição distante enquanto as condições objetivas da vida vão
piorando dia a dia, não faz dos políticos aliados confiáveis.
Os “mafiosos midiáticos da oposição
ao Brasil”, referidos pelo ministro Gilberto Carvalho para (des) qualificar os
críticos, como se vê não são mafiosos, não são midiáticos, não são inimigos do
País. Ao contrário, estão chamando atenção para a indiferença do poder público,
independentemente do matiz partidário.
O bicho realmente está pegando. Resta
saber, porém, no pé de quem exatamente. Em outras palavras: é de se conferir
para onde caminhará essa insatisfação quando chegar a hora de a manifestação se
expressar nas urnas.
No momento a única certeza é a de que
não se direciona em favor de força político-partidária alguma. De um lado é bom
porque não permite que nossos representantes enfrentem a questão debitando o
custo na conta do vizinho. De outro há o risco de se deixar prosperar a semente
para a pregação do voto nulo, ferindo gravemente a representação.
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