quarta-feira, 22 de julho de 2015

JUSTA HOMENAGEM

          A última vez que conversei com a arqueóloga Niède Guidon, fiquei tão triste que mal pude me conter. Em minha mente, ficou a imagem de uma leoa ferida e cercada de hienas famintas. A velha professora estava triste, desencantada, amarga. Lá pelas tantas me disse: “Hoje me arrependo de ter largado tudo para  me entregar, de corpo e alma, a este projeto aqui”. Não era força de expressão: Niède Guidon investiu tudo num projeto que não é dela; é da humanidade inteira: a criação do Parque Nacional da Serra da Capivara, um dos mais belos do Brasil.
          Venho acompanhando a  luta da arqueóloga que inseriu o Piauí no mapa-múndi e transformou  São Raimundo Nonato num referência mundial em termos de arqueologia. Antigamente, quando alguém falava do Piauí, o máximo que as pessoas sabiam é que se tratava do  “Estado mais pobre” da Federação. Hoje, invariavelmente, fazem perguntas sobre a Serra da Capivara.

          Seria exaustivo enumerar aqui as brigas que Niède comprou, as agressões que sofreu, as lágrimas que verteu em defesa do Parque.  Ainda hoje acusam-na, levianamente, de “furtar peças valiosas para vender na França”. Para os políticos populistas, Niède é uma “estrangeira (sic) que persegue os pobres caçadores da caatinga”; para os  cretinos de plantão, a pesquisadora não passa de  uma “mercenária e chantagista”. Poucos falam da infraestrutura do Parque onde gente e bichos são tratados com o mesmo respeito. Quem já teve oportunidade de visitar a Serra da Capivara pode comprovar isso sem a necessidade de maiores explicações.

          Mas Niède, além de pesquisadora, é alguém com  aguda visão prospectiva: sabe que,para tornar o Parque autossustentável, precisa da presença de turistas endinheirados, gente que já se cansou de praias, desertos e pirâmides.O problema é: como fazer essas pessoas chegarem a São Raimundo Nonato?  Ela tem a resposta na ponta da língua: com um aeroporto decente, com hotéis confortáveis, com saneamento básico, com  tratamento digno ao visitante.

          Começou aí sua mais sofrida batalha. Há mais de vinte anos, vem falando,  explicando, brigando, cobrando a construção do aeroporto de São Raimundo Nonato.  Finalmente, a obra que vem se arrastando por entre o cipoal burocrático está prestes a ser inaugurada.

          Por minha conta e risco, levei ao Conselho Estadual de Cultura a seguinte proposição: a obra, a ser inaugurada brevemente, deverá chamar-se Aeroporto Niède Guidon. A proposta foi prontamente aprovada por todos os conselheiros, e o presidente da CEC, prof. M. Paulo Nunes, está preparando expediente a ser encaminhado ao Governador do Estado com o parecer do Conselho.
          Que ninguém venha alegar que a lei “proíbe esse tipo de procedimento”. Em todos os lugares do país, há exemplos de homenagens prestadas a políticos - muito vivos - de todos os matizes ideológicos. Niède Guidon, por tudo o que fez pelo Piauí, pelo Brasil e pela humanidade, é  merecedora da homenagem. Assim seja.

Por Cinéas SantosPoeta, cronista, intelectual, professor, agente cultural, advogado, editor e livreiro brasileiro. Pertenceu ao Conselho Estadual de Cultura. Foi presidente da Fundação Municipal de Cultura de Teresina. Proprietário da Corisco (livraria e editora), publicou vários autores piauienses. Professor de Português e Literatura de várias gerações de estudantes piauienses. Foi um dos idealizadores e organizador do SaLiPi (Salão do Livro do Piauí), evento que anualmente reúne livreiros, editoras e público leitor em torno a diversas atividades culturais, palestras, debates, oficinas e exposições. Também é proprietário da Oficina da Palavra, espaço cultural teresinense, e coordenador do grupo A Cara Alegre Do Piauí, projeto de interiorização da cultura – música, literatura e artes plásticas. Cineas Santos é também o autor da letra do Hino do município de Teresina, em parceria com o músico Erisvaldo Borges, que compôs a melodia.


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